[*] Texto elaborado em janeiro de 2023, compondo o rol de referências complementares da disciplina de Estratégia Avançada, do Bacharelado em Administração da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD).
No livro Safári de Estratégia, Henry Mintzberg, Bruce Ahlstrand e Joseph Lampel (2010) classificam pensadores, teorias e formas de interpretar a “coerência no fluxo decisório das organizações” (como conceituam “estratégia“) em nove escolas de pensamento. As escolas de design, planejamento e posicionamento são consideradas prescritivas; já as escolas da cognição, aprendizado, poder, cultural e ambiental, em contraponto, procuram explicar a formação de estratégias por meio desses fatores organizacionais, são, portanto, descritivas; a escola empreendedora é considerada ao mesmo tempo prescritiva e descritiva.[1]
Se as teorias prescritivas têm por objetivo sugerir a melhor maneira de formular e implementar a estratégia, aquelas consideradas descritivas elaboram conhecimento de maneira inversa. Seus propositores imergem na realidade organizacional com o intuito de identificar como, na prática, as estratégias são efetivamente formuladas. Essa não é uma distinção sutil, mas uma oposição estrutural entre duas maneiras muito diferentes de produzir conhecimento sobre o tema estratégia empresarial.
No primeiro grupo de escolas de pensamento, as prescritivas, a lógica da narrativa elaborada segue um raciocínio dedutivo; ou seja, parte-se de um rol de premissas abstratas acerca da realidade, para assim derivar um conjunto de ações que seriam capazes de produzir efeitos no cenário idealizado. As escolas descritivas, por sua vez, adotam um raciocínio indutivo. Isso significa que formulam suas explicações com base na experiência, na análise de situações reais, abstraindo das observações as particularidades e compondo suas percepções sobre a estratégia com o que pode ser generalizado.
Em ambos os casos as estratégias são descritas e explicadas por meio de um conjunto de variáveis. Mas, no caso das escolas prescritivas, essas variáveis aparecem como decorrentes de uma ideia a priori, ou anterior à experiência, enquanto que no raciocínio das escolas descritivas, as variáveis que explicam a estratégia surgem a posteriori, depois do esforço empírico.
As escolas prescritivas são idealistas, os pensadores a estas vinculados propõem um quadro referencial idealizado, considerado melhor, mais adequado, que reflete seu modo particular de interpretar o mundo, para formular estratégias vencedoras; se essa fórmula ideal não for seguida, argumentam, as empresas terão desvantagem. Já as escolas descritivas são realistas. Tentam mostrar como as estratégias se formam na prática, sem tentar julgar quais maneiras ou procedimentos são melhores ou piores. Para tanto, agregam e interpretam dados de várias experiências organizacionais, identificando que fatores são mais ou menos importantes para explicar o porquê de certas escolhas.
Entre os pensadores arrolados nas escolas prescritivas, predomina um posicionamento de autoridade de cima para baixo — top to down —, já que segundo seus propositores, as estratégias são formuladas por um indivíduo ou instituição mais capaz. O Chief of the Executive Office (CEO), o departamento de planejamento estratégico, o líder da empresa, o empreendedor, nas escolas prescritivas (ou na parcela prescritiva da escola empreendedora) a estratégia sempre aparece como uma decisão centralizada, que precisa ser adotada e implementada de forma passiva pelo restante da organização.
Por sua vez, as escolas descritivas não sugerem que a estratégia deva ser mais ou menos emergente (isso seria um tipo de prescrição), mas descrevem como tais estratégias surgem de processos organizacionais que fogem do controle meramente hierárquico. Não significa dizer que nas organizações pesquisadas não aconteciam decisões de cima para baixo, mas que tais decisões, quer de baixo para cima — bottom up —, quer não, estavam vinculadas a processos mais complexos do que a mera escolha do caminho racional segundo a ótica da alta gerência. Isto é, as estratégias emergem, porque os processos de formulação estratégica escapam do pensamento linear; porque cultura, política, ambiente competitivo, limites cognitivos e dinâmicas de aprendizagem, se impõem.
Não por acaso, as escolas prescritivas de estratégia foram em grande parte propostas por consultores. Salvo algumas exceções, esses pensadores ou vieram do mercado para a Universidade, ou partiram para o mercado, sugerindo fórmulas, procedimentos, modelos de gestão, por meio dos quais prometiam elaborar estratégias vencedoras. Em contraponto, a maior parte dos pensadores vinculados às escolas descritivas — novamente, salvo algumas exceções — eram acadêmicos de carreira, cujos estudos sobre organizações permitiram que pudessem derivar conclusões sobre a formação de estratégias organizacionais.
Por isso mesmo, com o perdão da redundância, o rol de conhecimentos vinculados às diferentes categorias de escolas de pensamento estratégico é tão distinto. Nas publicações das escolas prescritivas encontram-se técnicas de gestão pré-prontas, rol de categorias a serem acompanhadas (financeiras, de desempenho operacional etc.), modelos matemáticos de otimização, técnicas que devem ser dominadas, enfim; tudo isso envolvido por uma narrativa com muitas certezas, em livros voltados para o público corporativo. Nas publicações das escolas descritivas a diferença é muito clara, pois encontram-se descrições demoradas, conceitos construídos com base em observações, modelos matemáticos de regressão. Ou seja, são trabalhos para o público acadêmico; não por acaso, suas narrativas sempre envolvem dúvidas, testes de confiabilidade, margens de erro, entre outros atributos que reconhecem as limitações do método científico.
No Quadro 1 a seguir, resumem-se essas principais diferenças entre as escolas prescritivas e descritivas, a partir dos trabalhos de Mintzberg et al (2010) e Mintzberg, Alhstrand e Lampel (2010).
| Quadro 1 – Diferenças entre as Escolas Prescritivas e Descritivas | |
| Escolas Prescritivas | Escolas Descritivas |
| Raciocínio Dedutivo | Raciocínio Indutivo |
| Idealistas | Realistas |
| Top to Dowm | Bottom Up |
| Dominadas por Consultores | Dominadas por Acadêmicos |
| Público Corporativo | Público Acadêmico |
| Fonte: Elaborado pelo autor, a partir dos trabalhos de Mintzberg et al (2009) e Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2010), em janeiro de 2023. | |
Não somente observam-se distinções entre essas duas formas de abordar o problema da estratégia. Convém tratar rapidamente das convergências entre as escolas prescritivas e descritivas.
Além do obvio, de que tratam do mesmo objeto de estudo — a formulação de estratégias organizacionais —, as escolas prescritivas e descritivas: (i) tomam o mundo da empresa como o universo principal de estudo e trabalho; (ii) partem da premissa de competitividade das relações intercapitalistas, ou seja, o mercado é competitivo e seleciona, independente de fazê-lo de forma mais ou menos eficiente; (iii) admitem com certo grau de certeza que existe uma realidade em si, que pode ser descrita pelo esforço da ciência de maneira objetiva; (iv) parecem assumir que é possível encontrar leis de explicação da realidade, num tipo de esforço nomotético; isso, entre outras semelhanças.
Dito de outra forma, embora os pesquisadores associados às escolas descritivas apresentem um maior grau de refinamento intelectual, quando comparados àqueles relacionados às escolas prescritivas, não deixam de fazer parte da parcela positivista dos estudos organizacionais. No máximo, no modelo de Burrel e Morgan, seriam localizados no quadrante do interpretativismo. Ou seja, o campo da estratégia relatado por Mintzberg, Ahlstrand e Lampel está inteiramente localizado no espectro da sociologia da regulação, comprometido com a manutenção do status quo.
Nesse sentido, percebe-se uma lacuna, ou oportunidade (que, afinal, pode ser viés da obra literária analisada, Safári de Estratégia), na produção de interpretações sobre estratégia organizacional a partir de uma perspectiva crítica. Isto pode ser sintetizado numa pergunta: o que pensadores ligados ao Estruturalismo Radical, ou ao Humanismo Radical, tėm a dizer sobre estratégia empresarial? Fica o convite para reflexão e debate.
REFERÊNCIAS
MINTZBERG, H. et al. O processo da estratégia: conceitos, contexto e casos selecionados. 4. ed. Porto Alegre: Bookman, 2009.
MINTZBERG, H.; ALHSTRAND, B.; LAMPEL, J. Safari de estratégia: um roteiro pela selva do planejamento estratégico. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010.
[1] Os autores ainda sugerem a existência de uma décima escola, que batizam como escola da configuração. Nessa escola não são alocados ou classificados pesquisadores e teorias, mas serve para congregar uma proposta, que constituiria na junção das percepções, insights e sugestões das demais nove escolas. Em seu ensaio final, sugerem que a estratégia empresarial seria mais eficaz se fosse capaz de agregar todas as perspectivas que abordam ao longo do livro num conjunto compreensivo. Dizem ainda que se trataria de uma escola configurativa, nem prescritiva, nem descritiva. Interessantemente, ao fazerem esse exercício mental, na verdade Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2010) perfazem uma prescrição, estabelecendo um marco normativo de ação sobre como fazer a priori para a estratégia empresarial alcançar sucesso e, assim, inadvertidamente, aderem sua proposta no rol das escolas prescritivas. Não é por acaso que o livro Safári de Estratégia é voltado para o público corporativo.
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