As Escolas Prescritivas da Estratégia, uma Crítica

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A estratégia empresarial é um campo em disputa, muito porque os saberes acerca de como as empresas funcionam, ou devem funcionar, dizem respeito aos rumos das sociedades como um todo. As empresas são as instituições dominantes do capitalismo, assim como a gestão — a maneira como as empresas são conduzidas na direção de seus objetivos — é um processo relacional de caráter estruturante da realidade. Talvez o mais importante. A estratégia empresarial aparece então como a expressão mais elaborada, complexa e refinada da gestão.

Pois bem, Henry Mintzberg — junto a dois outros autores, Bruce Ahlstrand e Joseph Lampel — realizaram um inventário do conhecimento sobre estratégia empresarial, analisando e classificando autores, teorias e metáforas em escolas de pensamento. Como resultado dessa investigação, publicaram anos atrás o livro Safári de Estratégia. Pode não ser uma das expressões mais refinadas da literatura científica, com um texto simplista, pausas dramáticas desnecessárias, casos e exemplos tediosos. Mas, se o leitor consegue relevar todo o ruído, encontra ali um trabalho bastante útil de organização teórica.

Uma primeira camada de classificação separa as escolas por meio do sentido teleológico de sua narrativa de conhecimento, em prescritivas e descritivas, sendo que uma em particular apresentaria características prescritivo-descritivas. As escolas de pensamento encontradas (“descobertas”) pelo esforço de Mintzberg, Ahlstrand e Lampel consideradas prescritivas são denominadas como Escola do Design, Escola do Planejamento e Escola do Posicionamento. Os autores as consideram prescritivas pois as pessoas associadas à estas escolas constroem seus discursos de conhecimento na perspectiva de intelectuais capazes de ensinar a forma correta, o melhor procedimento para uma empresa desenvolver suas estratégias.

Os pesquisadores relacionados às escolas prescritivas, assim como as teorias e procedimentos de gestão por aqueles desenvolvidos, partem da crença/premissa de que dominam um modelo de gestão estratégica que é superior aos demais. Seus insights acerca das organizações e do mercado representariam de maneira mais correta a realidade. Suas premissas tanto de conhecimento, como de explicação de mundo, constituiriam uma base fiel para o entendimento de como os processos e fenômenos sociais funcionam. Portanto, as sugestões de gestão, teorias e modelos que derivam logicamente dessas premissas se apresentam sempre como as mais adequadas.

Dessa forma, seu objetivo principal é iluminar a percepção de gestores e estudantes sobre como melhor desenhar uma estratégia. As escolas de Design, Planejamento e Posicionamento afirmam dominar, assim como serem capazes de ensinar, a maneira mais apropriada de gerenciar. Essas pretensões se baseiam no pressuposto de que o único e mais importante objetivo das organizações é o lucro, a valorização de capital. Essa finalidade, prometem, será alcançada por meio de uma atuação competitiva.

São escolas prescritivas, porque efetivamente prescrevem uma estratégia, ou formas de elaborar estratégias, defendendo uma linha específica para anamnese, diagnóstico e recomendação de soluções. Prescrever, portanto, tem um sentido literal na descrição de como essas escolas de pensamento atuam: indicar quais são as atitudes e procedimentos que irão, indubitavelmente, proporcionar os efeitos esperados pela gestão. Quais sejam esses efeitos? Alcance de competitividade e o lucro superiores.

Uma primeira indagação a ser levantada diz respeito a pretensão de suficiência que essas escolas representam. A crença de que são capazes de melhor compreender a realidade, assim como de que desta compreensão podem deduzir um sequenciamento de ações que otimizam processos e geram efeitos controlados, não leva em conta limitações cognitivas, culturais, políticas e psicológicas de pessoas e organizações. A realidade é mais complexa do que se é possível reduzir num modelo qualquer de representação. Além disso, assumir que a adição de alterações nessa mesma realidade conduza a um conjunto controlado de resultados chega a ser ingênuo. Para aceitar as conclusões das escolas prescritivas de estratégia requer-se uma grande dose de prepotência, e fé. Tamanha que só é possível na perspectiva de quem, na verdade, conhece muito pouco da realidade sobre a qual pretende exercer influência, menos ainda sobre si mesmo.

Pode-se ainda questionar a miopia da centralidade da performance utilitária. Na perspectiva utilitarista, as pessoas são descritas como animais cuja racionalidade é constantemente orientada para o ganho egoísta. É o que os pensadores classificados dentre as escolas prescritivas esperam da organização, sobretudo a empresarial: que privilegie o ganho material, o lucro. Na prática, porém, os objetivos de uma organização podem ser muitos, muito distintos do que meramente aumentar o capital dos acionistas. Expansão, referência simbólica, liderança tecnológica, proeminência política, desenvolvimento do entorno, perenidade, esses e outros exemplos de desígnios são por vezes perseguidos por empresas. O foco no lucro, no resultado a curto prazo, é um tipo de captura simbólica e objetiva (violenta) do complexo organizacional. Assim, a organização é submetida ao exclusivo usufruto do capital, dos acionistas — os quais exigem que toda uma comunidade, toda a sociedade, se mobilize para que possam ganhar mais[1] — assim como, ao mesmo tempo, funciona como instrumento de subsunção da classe trabalhadora.

Ainda, observa-se uma pretensão universalista na proposta das escolas prescritivas de estratégia. Quando a escola clássica sugere uma estratégia simples e centrada no líder, ou como na escola de planejamento se oferece uma metodologia de programação econômica formal da organização, ou ainda na forma como a escola do posicionamento prescreve estratégias “genéricas”, está se afirmando que tais sugestões podem ser replicados em quaisquer organizações. Isto independente de background cultural, composição da força de trabalho, natureza da atividade, estágio no ciclo de vida institucional, enfim. Essa pretensão universal decorre tanto da premissa míope dos objetivos da organização, quanto da autossuficiência pueril da qual partem os pesquisadores desses campos. Para eles, qualquer organização empresarial persegue as mesmas finalidades que imaginam, assim como funcionam da mesma forma que idealizam. Trata-se de uma universalidade simplista, que tenta enquadrar todo o mundo, suas diferenças e transformações, em esquemas interpretativos idealizados. No máximo, essa pretensão só pode produzir equívocos.

Tudo isso revela uma grande arrogância metodológica, cultural, talvez até racial, por parte dos pesquisadores associados às escolas prescritivas. Não por acaso, Alfred Sloan, Igor Ansoff, Michael Porter, Alfred Chandler, entre tantos outros, foram homens brancos, norte-americanos, radicados em universidades de elite e, em muitos dos casos, envolvidos diretamente na gestão ou em consultorias para grandes corporações estadunidenses. O racionalismo inerente aos seus construtos teóricos, assim como a pretensão de universalidade de suas fórmulas prescritivas, opera como extensão da sociologia funcionalista. A própria razão subjacente — o modo peculiar de pensar da comunidade donde emergem — se posiciona como superior, mais civilizada e refinada.

Foco na performática utilitarista, universalismo simplista, autossuficiência pueril, assim como a arrogância metodológica subjacente, são características marcantes das escolas prescritivas de estratégia. Não é por acaso que o mundo da empresa — sobretudo esta, de origem estadunidense e conduzida segundo o credo do capitalismo concorrencial — se firma sobre muitas das premissas e pressupostos compartilhados por essas escolas de pensamento. São, de fato, a imagem e a semelhança da presença global norte-americana no século XX.


[1] Capitalismo é, antes de tudo, um esquema de articulação coletiva, no qual toda sociedade se mobiliza, faz sacrifícios, abre mão de comida, moradia, lazer, segurança, felicidade, saúde física e psicológica, para enriquecer cada vez mais os já ricos, bem como lhes entregar as maiores e melhores partes de tudo que é produzido. Em troca, capitalistas desprezam, repudiam, humilham e planejam o extermínio do povo que bovinamente os serve.


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