A administração política é um conceito utilizado para representar a ocorrência, no modo de produção capitalista, de fundamentos e práticas gestão que todas as organizações e indivíduos são obrigados a aceitar como racionais e superiores. Tais fundamentos operam como normas básicas para se articular fatores de produção, regular relações sociais econômicas e julgar os resultados.
Entende-se, portanto, como administração política esse rol de fundamentos e práticas que são amplamente aceitas e socialmente referendadas, funcionando como premissas sobre como o trabalho deve ser dividido, integrado, acompanhado e valorado. Trata-se de um objeto típico do campo de conhecimento da administração, assim como visitado pela economia heterodoxa, ciência política e sociologia econômica.
Os princípios de gestão subjacentes à estrutura coletiva capitalista podem ser considerados imanentes, isto porque se encontram entranhados na prática social, imiscuídos no dia-a-dia, no agir-no-mundo das pessoas. Não se percebe diretamente, mas todo o tempo as pessoas, grupos e organizações reproduzem essas premissas de administração, gerando expectativas a partir de suas formas ideais de funcionamento, assim como aplicando sanções explícitas e implícitas contra aqueles que não observam as regras.
Outro aspecto que é importante destacar é o fato de que a sociabilidade capitalista é balizada eminentemente pela esfera econômica. Seu aspecto preponderante está no âmbito das relações de produção e distribuição de riquezas (bens e serviços). Trata-se de um sistema social totalizante, no qual a economia se impõe como centro da coletividade.
É por meio do modo de produção capitalista — pautado na (i) propriedade privada do capital e (ii) no trabalho assalariado —, que se estabelece a divisão entre uma elite dirigente e a classe trabalhadora. Os fatores de distinção social no capitalismo, diferentemente de outros arranjos coletivos, são quase exclusivamente econômicos, materialistas. Quanto maior a riqueza (capital acumulado), maior o prestígio individual. Quanto maior a contribuição do profissional para a produção e circulação da mercadoria, para o circuito do capital, mais valorizada sua função.[1]
No capitalismo, todos os outros aspectos da vida coletiva — cultura, política, arte, religião, ética etc. — são orientados por (integrados, viabilizados e julgados segundo os) princípios que regem as relações de produção. Tudo é subordinado aos valores econômicos, ao lucro, à riqueza. Essa afirmação não é um determinismo, não se está dizendo aqui que as demais esferas da sociedade são qualitativamente inferiores à economia. Apenas se está afirmando que no capitalismo tais dimensões sociais são integradas, mensuradas e valoradas segundo sua contribuição para a produção de riqueza. Isto porque, no capitalismo a acumulação de riqueza é a atividade humana que confere maior distinção social.
Pois bem, a gestão é a atividade de articulação de fatores de produção (terra, capital, trabalho, capacidade organizacional) para chegar a objetivos materiais e simbólicos. No capitalismo, utiliza-se sistematicamente da gestão para (i) aumentar a produtividade do trabalho, (ii) diminuir a importância relativa e absoluta do trabalhador da produção de valor, (iii) engendrar inovações técnicas e tecnológicas que permitam aumentar a eficiência marginal do capital, (iv) estruturar as organizações de mediação da relação capital-trabalho (empresa, mercado e Estado). Ou seja, a gestão é o principal instrumento de valorização de capital, uma vez que tem o papel de controlar e extrair o máximo do trabalho.
Assim, as premissas de gestão se encontram tão imiscuídas no imaginário, estão tão profundamente arraigadas no inconsciente coletivo, que as pessoas se comportam segundo suas expectativas de forma quase automática. Nesse sentido, a gestão capitalista — seus princípios, premissas e prescrições — se confunde com a própria razão. A ética do mundo capitalista se torna a ética do acúmulo de riqueza e da produtividade.
Tanto o é, que é muito comum ouvir do estudante neófito dos cursos introdutórios de administração, que aquilo que se ensina ali é lógico, óbvio, até redundante. Não por que o seja de fato, mas simplesmente porque desde cedo as pessoas se inserem numa sociedade pautada pela economia, numa perspectiva competitiva, individualista e produtivista. Na mais tenra infância somos moldados pela gestão segundo a lógica do capital, pelas suas estratégias de acumulação e suas formas de valoração.
Já que o fator preponderante da sociedade capitalista é a economia, a gestão se torna o elemento básico da ideologia capitalista. Podemos afirmar, não sem um grau de ousadia, que os aspectos mais importantes na estruturação da realidade numa sociedade capitalista são as formas de organização da produção, o que chamamos simplesmente de administração.
Valores como a busca da eficiência, a constante avaliação da performance, a verificação de se a gestão atinge os objetivos do lucro (accountability) e a competição de mercado, colocam a prova os diferentes aspectos da sociedade. Esses princípios são disseminados de forma abrangente, muitas vezes subliminar. Desde o telejornal, passando por novelas e séries televisivas, desenhos animados, até no cinema, essas ideias fundamentais são continuamente disseminadas. Escolas, igrejas, cooperativas, ONGs, até orçamentos familiares são tocados segundo aqueles princípios básicos, como se nenhum outro objetivo pudesse ser mais importante.
A administração política capitalista visa, portanto, garantir que os objetivos mais gerais do capitalista (exploração do trabalho, propriedade privada de capital e liberdade de negócios) e de suas organizações sejam alcançados. O que se apresenta como a mais simples manifestação da razoabilidade — novamente, os princípios de eficiência, accountability, performance e competição —, não contribuem necessariamente para o bem-estar coletivo. Servem na verdade para aumentar a riqueza de empresários.
Podemos dizer, portanto, que a administração política é o conjunto de princípios, fundamentos e valores de gestão básicos, subjacentes ao agir social. Tais princípios se entranham na coletividade, se confundindo com a razão e auxiliando a moldar o mundo segundo uma lógica e éticas aceitas por todos. A administração política revela um processo que pauta as relações sociais de forma imanente. E a administração política capitalista corresponde, portanto, aos princípios e racionalidade de comportamento produtivista e individualista que dão suporte para a acumulação privada de riqueza coletiva.
[1] Aqui, uma contradição precisa ser registrada: quanto maior a contribuição em termos de valor novo, não necessariamente será maior o prestígio social, pois o trabalho precisa ser desvalorizado para que a maior parte de sua contribuição material possa ser apropriada pelo capitalista.
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