Primórdios da Reforma do Estado no Brasil[1]


[1] Texto com fins didáticos, elaborado em novembro de 2025 como referencial complementar da disciplina Administração Pública do Bacharelado em Administração da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), a partir de excertos e adaptações do artigo de Cristaldo & Cristaldo (2025).


A reforma do Estado no Brasil é um produto da década de 1990. A Nova Administração Pública (NAP) chega aqui tardiamente, mais de 10 anos depois de ter aportado em países como EUA e UK. E, como não poderia deixar de ser, sofre adaptações, avanços e retrocessos típicos daqueles decorrentes de quando se tenta impor uma lógica alienígena à uma sociedade complexa. Tudo começa na redemocratização brasileira após o fim tortuoso da ditadura empresarial-militar.

O período de redemocratização se deu em meio a uma crise fiscal do Estado. Diversos autores atribuem essa crise à exaustão do modelo desenvolvimentista, muito embora o façam não sem um grau de controvérsia. No início da década de 1990 ter-se-iam iniciadas as assim chamadas reformas modernizadoras de caráter gerencialista visando diminuir a presença do Estado na dinâmica econômica e social, seja cerceando suas ações no planejamento e implementação de ações para o desenvolvimento, seja como sustentáculo de políticas socais. As primeiras medidas ainda no governo de Fernando Collor de Mello foram de caráter neoliberal mais amplo, como redução de barreiras alfandegárias, tentativa de implementação do tripé macroeconômico, controle de inflação pela via monetarista, entre outras.

Após um período de instabilidade política — que culminou inadvertidamente no impeachment de Collor —, as reformas se iniciaram a partir de 1994. Foi na presidência de Fernando Henrique Cardoso (FHC), assim como na gestão de Luiz Carlos Bresser Pereira do recém reestruturado Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE), que as primeiras medidas de cunho gerencialista foram implementadas no Brasil.

Em 1995 o MARE lançou o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, com princípios inspirados na NAP visando um tipo de reconstrução do Estado. Propunha-se ali uma reforma em três dimensões macro: (i) institucional-legal (para rever os papéis assumidos pelo Estado na sociedade); (ii) cultural (para incutir uma lógica empreendedora no funcionalismo pública); (iii) gerencial (para dar maior flexibilidade e eficiência em processos formais de gestão do Estado). Como afirma Junquilho: “na proposta da Administração Pública Gerencial passavam a prevalecer, então, valores vinculados à qualidade, à eficiência e à eficácia dos serviços públicos e à busca pelo estabelecimento de uma cultura gerencial em distinção à cultura burocrática nas organizações públicas.” (2010, p. 141).

Muitos pontos foram levantados pelo Plano Diretor, dentre os quais podemos destacar: (i) profissionalização de servidores públicos, (ii) controles por meio de indicadores de desempenho, (iii) descentralização administrativa, (iv) técnicas de gestão típicas da iniciativa privada, (v) utilização racional de recursos públicos, (vi) disseminação de uma ideologia empreendedora, entre outros. Esses princípios se materializaram em quatro grandes iniciativas:

  1. Distinção de atividades exclusivas do Estado, a serem concentradas num núcleo estratégico, daquelas não-exclusivas que poderiam ser privatizadas, sofrer concorrência ou ser terceirizadas;
  2. Emprego de aparato de regulação econômica segundo a lógica anglo-saxã, por meio de agências especializadas como ANVISA, ANP, ANEEL e ANATEL;
  3. Outorga de serviços de natureza pública, mas não exclusivos do Estado, para a responsabilidade de organizações sociais (OS) com atividades reguladas pelo poder público;
  4. Políticas de recursos humanos visando seleção e capacitação de servidores, reestruturação de carreiras, estabelecimento de controles de produtividade e demissão.

A despeito daquelas mudanças e posteriores adaptações, percebe-se que a reforma gerencial do Estado no Brasil é um processo ainda em curso. Isso se verifica, por exemplo, ao se notar que, das duas PEC propostas a partir do trabalho do MARE ainda em 1995 — a PEC 173/1995, que se consolidou na Emenda Constitucional n. 19 de 4 de junho de 1998, e a PEC 174/1995 —, apenas a primeira completou seu caminho até tornar-se uma legislação efetiva. A PEC 174/1995 encontra-se até a presente data paralisada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados.

Em discussão mais atualmente encontramos a PEC 32/2020, na qual as mudanças propostas são mais indiretas e quase que inteiramente circunscritas às práticas de gestão de pessoas. Abre-se ali a possibilidade de demissão de servidores por insuficiência de desempenho. A PEC ainda desconstitucionaliza a regulação da carreira dos servidores, indicando a necessidade de uma lei complementar para instituir uma política de recursos humanos. Também requenta a distinção entre carreiras de Estado daquelas comuns sem, no entanto, especificar as características de cada categoria.

Referências

ABRUCIO, L. F. Trajetória recente da gestão pública brasileira: um balanço crítico e a renovação da agenda de reformas. Revista de Administração Pública, v. 41, n. esp., p. 67-86, 2007.

CARVALHO, A. M. S. A reforma gerencial do Estado no Brasil e o direito à res pública (Tese de Doutoramento, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Repositório PUC/SP, 2015.  Disponível em: https://repositorio.pucsp.br/jspui/handle/handle/3696. Acesso em: 15 out. 2022.

CRISTALDO, R. C.; CRISTALDO, A. de A. Reformando para o Fracasso? Crítica Gerencial e Organizacional da PEC 32/2020. Management in Perspective, v. 6, n. 2, p. 148-181, 2025. https://seer.ufu.br/index.php/RevistaMiP/article/view/78493/42050

JUNQUILHO, G. S. Teorias da administração pública. Florianópolis: UFSC; Brasília, DF: CAPES, 2010.

LYNN Jr., Laurence E. Public management, old and new. New York, US; Oxxon, UK: Routledge, 2006.


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