[1] Texto com fins didáticos, elaborado em novembro de 2025 como referencial complementar da disciplina Administração Pública do Bacharelado em Administração da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), a partir de excertos e adaptações do artigo de Cristaldo & Cristaldo (2025).
“Nova Administração Pública” (NAP), “New Public Management” (NPM), “Nova Gestão Pública” (NGP), esses são alguns dos termos normalmente empregados para se referir ao modelo dominante de administração estatal que se tornou hegemônico a partir do último quartel do século XX. Embora a ênfase seja quase sempre dedicada à palavra “nova”, a perspectiva gerencialista da administração pública já se ensaiava em seus fundamentos — Estado mínimo, eficiência e restrição fiscal — em trabalhos de economistas liberais desde meados do século XX. Friedrich von Hayek, Milton Friedman, Ludwig von Mises, entre outros, nos deixaram vários argumentos sobre como um Estado só seria eficiente se reduzido em escala e escopo.
Diante disso, afinal, o que de fato há de “novo” na NAP?
Numa exposição sumária, a NAP surgiu como um modelo de reforma da burocracia governamental visando alcançar maior eficiência e flexibilidade, na tentativa de contemporizar as disfunções das burocracias. Seus primeiros defensores aparecem em textos acadêmicos específicos do campo de gestão pública entre as décadas de 1950 e 1960, mas só vão se implementadas medidas concretas em larga escala quando Margareth Thatcher se torna Primeira Ministra do Reino Unido no final da década de 1970, e quando Ronald Reagan chega à presidência dos EUA no início dos anos 1980.
Thatcher e Reagan propunham gerir o Estado segundo a macroeconomia neoliberal (Hayek, Friedman, Mises), enquanto a microgestão do aparato burocrático copiaria os preceitos e técnicas da administração de empresas. Tais premissas mais adiante foram assimiladas pelos organismos internacionais, como FMI, BIRD, OMC e OCDE, estabelecendo um consenso em torno do que seriam reformas a serem implementadas em todos os Estados nacionais de forma indistinta.
Em suas defesas, tais mudanças seriam necessárias devido as transformações de ordem política (fim da guerra fria), econômica (globalização) e tecnológica (microeletrônica) pelas quais o mundo passou a partir do último quartel do século XX. Em resumo, a competição face a globalização econômica e a integração dos países ex-URSS ao sistema internacional, em paralelo à reestruturação produtiva em nível mundial decorrente da assimilação das novas tecnologias de informação e comunicação (TICs), teria obrigado os países a adotarem uma postura competitiva entre si. Para enfrentar a competição, a partir da NAP se proporiam reformas estruturais para (i) diminuir a intervenção governamental nos mercados, (ii) enfrentar a crise fiscal e (iii) proporcionar maior eficiência de processos e serviços públicos. Dessa forma, poder-se-ia direcionar recursos e esforços com o intuito de subsidiar a iniciativa privada na competição global.
A proposta da NAP surgiu a partir de uma crítica contra o Estado de Bem-estar Social. De acordo com suas análises, o Estado de bem-estar estava moldando uma sociedade civil dependente e menos afeita à inovação e à mudança; sem mencionar o fato de que havia um custo econômico cada vez maior na manutenção de serviços para a população, deprimindo as taxas de lucro empresarial e diminuindo a competitividade. Para reversão dessa tendência, a premissa da NAP é de que o Estado deve se fundamentar num compromisso entre poder público e econômico para fortalecimento do mercado, assim como de respeito às necessidades sociais e reestruturação organizacional da máquina pública. Essa reestruturação teria como objetivo tornar o Estado mais descentralizado, flexível, assim como estruturado em redes e na integração das TICs.
A lógica do Estado passaria de um foco em procedimentos (modelo burocrático) para um foco em resultados (modelo gerencial). Para tanto, separar-se-iam as atividades exclusivas do Estado, a serem exercidas por um “núcleo estratégico”, daquelas não-exclusivas, que poderiam ser outorgadas ao controle de organizações não-governamentais ou empresas. Além disso, valores típicos da gestão empresarial — como empreendedorismo, inovação, competitividade, controles por resultados, gestão de competências, entre outros — deveriam ser impressos na administração pública com vistas a uma maior eficiência de processos.
A “novidade” da NAP não está, portanto, na racionalidade de gestão. Isto o modelo burocrático já se mostrava capaz de proporcionar, ao se pautar em princípios como impessoalidade, profissionalismo e formalidade. O que se percebe como elemento fulcral da proposta de reformas estruturais sob a díade neoliberalismo/nova administração pública é a reprogramação do Estado para servir ao mercado, à competitividade empresarial e à formação de lucros. Mesmo que, para tanto, fosse necessário reverter a racionalidade burocrática, ou melhor, imprimir uma nova racionalidade segundo a lógica neoliberal.
Tanto o é que, a partir de então, cada vez mais passa a fazer parte do ideário coletivo a ideia (falsa) de que o Estado é ineficiente a priori, enquanto se ventila a sugestão (falaciosa) de que a iniciativa privada é sempre e presentemente mais eficaz e eficiente. O mercado precisa substituir o Estado em serviços públicos, receber a maior parte dos recursos decorrentes da coleta de impostos, bem como acessar a capacidade técnica do Estado com maior facilidade, não porquê vá gerir tais processos e valores de maneira mais eficiente, mas porque os distribuirá (melhor dizer, “concentrará”) segundo a lógica da empresa capitalista.
Referências
BRESSER-PEREIRA, L. C. Do estado patrimonial ao gerencial. In: PINHEIRO, W.; SACHS, I. Brasil, um século de transformações. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. pp. 222-259.
CRISTALDO, R. C.; CRISTALDO, A. de A. Reformando para o Fracasso? Crítica Gerencial e Organizacional da PEC 32/2020. Management in Perspective, v. 6, n. 2, p. 148-181, 2025. https://seer.ufu.br/index.php/RevistaMiP/article/view/78493/42050
JUNQUILHO, G. S. Teorias da administração pública. Florianópolis: UFSC; Brasília, DF: CAPES, 2010.
LYNN Jr., Laurence E. Public management, old and new. New York, US; Oxxon, UK: Routledge, 2006.
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