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Uma passada pelos noticiários hoje de manhã me deu uma perspectiva interessante sobre o discurso de Donald Trump na abertura da assembleia geral da Organização das Nações Unidas nesse 23 de setembro de 2025. Muitos analistas relatam ameaças, recados, um descontentamento explícito com a ONU, defesa de pautas conservadoras e sinais para o mundo.
Eu tive a infelicidade de acompanhar o solilóquio pela internet e o que mais me chamou a atenção foi que Trump não fez de fato um discurso, mas uma fala errática, sem nexo, sobre temas aleatórios e recheada de afirmações ridículas, mentirosas ou simplesmente infantis. Tirar daquilo uma lógica, um sentido, é muito difícil, talvez impossível.
O presidente norte-americano começa o discurso com uma longa seção de bragging sobre seu governo. Por meio de frases soltas e recorrendo a mentiras escancaradas, tentou pintar um quadro positivo de um governo imaginário, onde não existe inflação, desemprego, crise imobiliária, questão migratória, autoritarismo, racismo não-apologético, nada.
Trump fez um autorretrato delirante, como se fosse um líder global capaz de finalizar guerras, combater corrupção, terrorismo e alcançar a paz. Nenhuma informação transmitida ali era verdadeira, nada fazia o menor sentido. O tal quadro não passou, ao final, de uma sobreposição de garatujas em um estágio muito primário de desenvolvimento.
Entre uma inverdade e outra, Trump reclamou do teleprompter que não funcionava, das escadas rolantes, do piso nas dependências da sede da ONU. Chega a mencionar um pretenso projeto de reforma que teria oferecido à organização para o edifício, o qual teria sido rejeitado e, por isso, estavam ontem num ambiente alegadamente pouco confortável.
Disse que a ONU não faz seu trabalho, insultou indireta e diretamente representantes da instituição, dos países, assim como seus diplomatas e mesmo a diplomacia em si. Choramingou que não se sente reconhecido, que a ONU só aparece depois que ele resolve as situações, que deveria receber um Nobel da Paz. Foram várias falas com manifestações egocêntricas e indiretas infantis, como adolescentes fazem nas redes sociais acreditando serem mais inteligentes do que efetivamente são.
Em toda sua fala, Trump recorreu a figuras da área de negócios. Não pense, porém, que abordou estratégias globais, análises de mercado, tendências econômicas ou condições de comércio internacional. Nada disso. As figuras do business às quais recorreu vem das negociatas, pequenos golpes e quasi-estelionatos que passou a vida inteira fazendo em sua obsessão por influência.
Trump vê a administração da maior potência militar da história humana como um negócio pessoal, o que ele mesmo diz sem pudores; provavelmente como faria vendendo carros usados ou lidando com/como a máfia, por meio de enganos, ameaças, desvios de conduta e conluios nebulosos. O empresário Trump diz muito sobre o presidente Trump: produtos risíveis, ganhos efêmeros, sucesso falso, bancarrotas e mais pose que resultados.
Entre um comentário aleatório e outro, o Presidente que os norte-americanos escolheram não uma, mas duas vezes, descarregou uma longa lista de negacionismos e arbitrariedades. Reforçou apoio ao genocídio que Israel opera na Palestina. Negou a iminência de uma crise climática. Advogou a favor de combustíveis fósseis. Firmou defesa do aumento unilateral das tarifas alfandegárias que encampou.
Ainda se gabou de deslocar destacamentos da Marinha Americana para o Caribe, como se a execução sumária de três minúsculos barcos civis justificasse por si só a enorme quantidade de recursos mobilizados naquela ação desastrosa. No caminho, exagerou sobre a questão migratória na Europa, classificou opositores como terroristas e tergiversou sobre suas promessas de encerrar rapidamente o conflito entre Rússia e Ucrânia.
Mas, o que mais me chamou a atenção foi a atitude. Donald Trump tratou a tribuna da ONU com clara displicência. Não se ateve a uma lógica de discurso, mentiu sem pudores, lançava olhares debochados e comentários depreciativos contra todos, contra a própria instituição.
Diferente da séria reverência que a postura do Presidente Brasileiro tinha acabado de demonstrar, Trump parecia estar falando para estudantes secundaristas, patronizando-os, ridicularizando aquele espaço. De um lado, pode-se dizer que o POTUS falou como se a partir de uma posição de segurança e poder. Mas, claramente aquilo tudo era uma grande farsa.
Estava ali um presidente acuado por taxas de popularidade nunca antes tão baixas num primeiro ano de mandato, com sua nação em crise por conta de suas próprias escolhas, condenado criminalmente e cercado por fileiras de puxa-sacos. No afã de parecer firme, mostrou fragilidade. Fragilidade mental, moral e técnica. Sua fala errática e discurso risível são o atestado de uma instituição falida; não a ONU, como quis o tempo todo deixar a entender, mas a própria Presidência dos EUA.
Donald Trump caminha inexoravelmente para escrever seu nome na história, como o presidente que afundou definitivamente o império americano. À ver se passivamente, como o homem velho, doente e cansado que é, ou com briga (guerra?), agarrando-se nos cada vez mais escassos fiapos de dignidade que sustentam os Estados Unidos da América ainda de pé.
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