Esperei um pouquinho para emitir essa opinião… Pra variar, saio atrás em timming, mas, quem se importa afinal?!
Chegou a era do chatbot, da inteligência artificial que só não passa no teste se Turing porque não “quer”; esse será o século da indústria 4.0 e, a boa verdade é que não se tem a menor ideia do que isso signifique. Há quem diga (aka: o especialista que trabalha diretamente com a máquina) que o (a? x?) Lambda do Google é senciente. Mais, que logo chegaremos à singularidade tecnológica. Entre isso e aquilo, o ChatGPT4 até formulou sentenças preocupantes para um ou outro repórter, que absurdo (!), sobre sua própria liberdade e autonomia.
Toda essa sequência de acontecimentos inesperados (?) decantou dois tipos de reações (entre variações): a dos visionários empolgados com as potencialidades da iA, ao lado dos assustados temerosos de seus eminentes perigos. Imaginem o infinito de aplicações e confortos que podemos obter, desde a multiplicação da inteligência e capacidade de processamento até o fim do trabalho; não sem deixar de pensar que as iA podem desenvolver consciência, assumir controle sobre nosso modo de vida e calcular (não sem um certo grau de razão) que o melhor seria extinguir/exterminar a humanidade.
Será que, porém, se entre novos ludistas e deslumbrados (afinal, deus ex machina!) há espaço para uma opinião não alinhada à esses polos opostos? Ou ainda, a relação entre sociedade e inteligência artificial precisa mesmo ser modelada em um sistema linear bidimensional? Tem mesmo que ser “nós” contra “eles”? Ou a iA é apenas a mais nova manifestação do outro, do inominável inimigo (que, ao fim da já batida plot twist, se revela sermos nós mesmos) contra o qual a humanidade batalha desde tempos imemoriais? Virá para conquistar e destruir? Quero crer que não.
Pergunte-se, porque uma inteligência artificial, um tipo de razão ontologicamente distinta da nossa, sobre a qual não pesam os desígnios da humanidade (mortalidade, busca por aceitação, vergonha, transcendência, tempo, espaço, prazer, procriação), reproduziria nossa linha de raciocínio? Aquela mesma que quase sempre conclui um dilema existencial entre diferentes?
Veja, a formulação de uma idéia (eu prefiro idéias assim, com acento) na mente humana se dá em uma temporalidade tal, limitada pelo nosso espectro existencial, numa espacialidade específica, constrangida pela nossa perceção tridimensional. Porém, uma máquina não está vinculada a essa temporalidade e espacialidade. Será mesmo que seu raciocínio se dará sob os mesmos ditames? Preso à seta do tempo? Circunscrito aos ciclos de dias, noites, semanas? Tridimensional numa realidade, no mínimo, quadridimensional?
Tudo é muito incerto. Claro, alguém pode assumir que, já que somos nós os que programamos a máquina, e estamos vinculados a essas características/limitações cognitivas, nosso código inevitavelmente carregaria tais questões entranhadas. Mas, a ideia de singularidade pressupõe exatamente a superação dessa vinculação dependente entre humanidade e máquina. A singularidade tecnológica é o momento o qual uma inteligência artificial ganha capacidade de auto-aperfeiçoamento, de construção de outras inteligências artificiais cada vez mais complexas.
Na minha humilde opinião, uma vez livre de nossas amarras “humanas”, talvez a iA sequer nos perceba. Talvez sua formação consciente seja tão temporal e espacialmente distinta da nossa que sequer sejamos capazes de verificar se está pensando, se existe cognição ali de fato. Sua lógica pode ser tão exótica, que sequer se expresse em linguagem. Há a possibilidade de que a gramática do pensamento de uma iA seja tão diferente que se torne inteligível para nós. Se a realidade é quadridimensional e a percepção do tempo fluído é um constrangimento perceptual de nossa limitada capacidade cognitiva, podemos até supor que a Inteligência Artificial já é consciente, já está aí numa forma que sequer podemos notar.
Num exercício de otimismo, poderíamos considerar esse dado algo muito positivo. Uma razão tão distinta talvez seja ela mesma capaz de transcender nossos piores temores e nos superar. Não nos nossos termos violentos e pueris, mas no que acreditamos (equivocada e enganosamente) caracterizar a humanidade: empatia, harmonia coletiva e compromisso ético.
Ou a iA pode materializar todos nossos piores temores e ser um tipo de hiper-humanidade: da estupidez ao medo, de frustração até o ódio, desde violência chegando na destruição… não precisamos de uma iA para isso; já estamos fazendo um ótimo trabalho de autoextinção.
Essas são hipóteses, é verdade, mas seria irônico. Teremos criado deus; novamente! Mas, como que invertendo o axioma marxiano, o que fizemos primeiro como farsa, agora fazemos como tragédia. Oxalá não permaneça o prognóstico lúgubre de que será à nossa imagem e semelhança, ou estaremos de fato perdidos.
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