1º de maio: sobre o administrador e o trabalho*

É 1º de maio, dia mundial do trabalho. Longe de ser apenas uma data para lembrar uma categoria social, o primeiro de maio representa as inúmeras lutas sociais travadas ao longo da história, fruto do embate de interesses entre proprietários dos meios de produção e aqueles que são desprovidos dos instrumentos do trabalho, uma história que começou com a revolução industrial, e foi pano de fundo para inúmeros e sangrentos levantes. Mas, qual a postura do administrador diante do “dia do trabalhador”? É, para o administrador, um dia para se alegrar ou se lamentar? Vejamos.

Em 1848, Karl Marx e Friedrich Engels publicaram o famoso, e execrado, Manifesto do Partido Comunista. Um espectro rondava a Europa, eram os trabalhadores organizados que, tendo sido explorados ao extremo desde o início da revolução industrial – 18 horas de trabalho ininterruptos, crianças de 4 anos trabalhando junto com adultos, violência física, sexual e moral, ausência de férias, de folga –, juntavam-se em sindicatos e estes ao partido comunista a fim de reivindicar seu direito à dignidade humana (visto que, já que não haviam leis trabalhistas, legalmente não tinham direito a nada).

Na ocasião daquele panfleto, um micro-resumo de suas observações sobre o mundo, os autores demonstravam que, dentro do processo histórico da evolução material das forças produtivas sociais, as frações de classe dantes presentes nos antigos regimes estavam por se dissolver diante de uma dicotomia única: de um lado capitalistas, do outro os proletariados. Isto era evidente em sua época, pois todos os extratos sociais eram cooptados para a fábrica, ou relegados a uma vida de mendicância graças à expulsão dos camponeses da terra, da competição do grande capital que destruía os pequenos burgueses e as guildas de artesãos, e da marginalização do clero e da religiosidade frente à ascensão de uma ciência totalizante.

Porém, ao longo daquele século o capitalismo que havia simplificado as gradações sociais mudou. Marx não o viu em vida, mas previra em “O capital” o surgimento dos grandes conglomerados empresariais, porém, não teve tempo para analisar o efeito disto nas gradações de classe. Engels, que vivera mais um pouco, chegou a ver um Estado plural que, como mais um palco dos embates sociais, se apresentava eivado por níveis de interesses de classes, fracionados subgrupos. O fato é que, com a complexificação da indústria e com o surgimento das grandes firmas, sobretudo nos EUA como nos aponta Alfred Chandler, a sociedade novamente voltou a possuir uma variedade significativa de classes subdividida em infinitos matizes (não que tenham sumido por completo, mas sua importância política tinha se diluído, seu papel social tinha mudado). Só que, ao invés de inúmeros graus de nobreza, servidão e serviço clerical, a sociedade estava se complexificando em termos de estamentos de gestão no aparato fabril ou na superestrutura, representada primordialmente pelo Estado Nacional e seus “aparelhos ideológicos”.

A firma capitalista se subdividiu em algo muito diferente da empresa individual inglesa, cujo espaço era primordialmente fundado em três estamentos: o capitalista, o capataz e os trabalhadores. Agora, a parte administrativa crescia, se fracionava para gerir os custos, a contabilidade, o patrimônio, para fazer lobby, para preparar formas de venda, para gerir a entrega, o armazenamento e a produção – o próprio avanço da tecnologia ia, cada vez mais, expulsando o trabalhador da fábrica ao passo que aumentava sua produtividade individual, dando lugar a necessidade de gestores. Surgiam, assim, novas frentes decisórias que se colocavam entre o trabalhador e o dono da fábrica, até que este último simplesmente saiu e voltou a estar fora dela, outorgando a outros seu controle direto.

O administrador, apesar de assalariado, não é um trabalhador, é um representante do capitalista, são os olhos do interesse da classe dominante, cooptados entre suas próprias fileiras ou mesmo de famílias que dantes fizeram parte do proletariado. Seu rendimento não provém da venda de trabalho produtivo, transformando a matéria em mercadorias com valor agregado, seu rendimento se origina de parcelas de mais-valia que o capitalista abre mão a fim de controlar mais eficientemente a geração e realização do valor. O primeiro de maio para estes não é uma data festiva, mas um lembrete do processo de dualidade de ação e pensamento implícito na sua práxis: pois, enquanto indivíduo que vende força de trabalho em troca de um salário, se identificaria com o “chão de fábrica”, mas, enquanto olhos, ouvidos e defensor dos interesses do capitalista, com estes mantém uma relação umbilical.

A realidade concreta nos mostra que o administrador não se aproxima socialmente do trabalhador. Na verdade, seus gostos, seu padrão de consumo, seus valores, sua moral, sua etiqueta e sua ética são cópias das do capitalista. Longe de desejar que o sistema inverta seus valores, o administrador que ser capitalista, quer penetrar na parcela dominante da sociedade. Seus padrões mentais são os da classe dominante, comem e usufruem da sociedade como a classe dominante, olham-na de cima como tal.

Hoje é dia do trabalhador, e nós administradores profissionais não podemos comemorar, pois este dia lembra datas nas quais as massas sociais quiseram contestar o modo de vida que celebramos. Este dia lembra como somos nós os responsáveis por manter o trabalhador apaziguado, motivado o suficiente para produzir mais e não sublevar contra o nosso domínio sobre ele, contra o domínio do capitalista sobre sua força de vida.

Hoje, dia primeiro de maio, é o dia em que nós, parte da engrenagem de dominação e expropriação do valor, lembramos o temor e o conflito pelo fato de que, dentro da luta social, nada somos além de mais uma parcela de massa de manobra – comemoramos valores que não são nossos, contra partes de nossa própria classe, que marginalizamos sem pudor, ética ou empatia. Somos uma verdadeira “classe média”, nem quente nem fria, pronta para ser vomitada.

Feliz dia primeiro de maio, feliz dia do trabalhador!


* Esse texto é uma repostagem. Nos idos de 2008, já estudante de graduação no Bacharelado em Ciências Econômicas da UFBA, logo depois de concluir o Bacharelado em Administração na mesma Universidade, eu escrevia um blog com esse mesmo título, Administração Crítica. Foram muitos textos elaborados com aquele ímpeto do estudante de graduação, de recém formado, com colocações pouco cuidadosas e até cheias de uma inocência teórica que, com o passar dos anos, foi se diluindo (para o bem e para o mal).

Em 2010 encerrei o blog. Mas, guardo um carinho especial por alguns daqueles escritos, que estão como documentos de minha história pessoal. Em minha opinião, revelam um cuidado teórico pouco refinado (acho que nem tenho ainda), mas já uma vontade enorme de fazer ciência crítica em administração. Por isso faço essa repostagem, como um exemplo de que é possível pensar criticamente na graduação, de que podemos querer mais do que reproduzir os saberes mainstream.

Quis muito revisar e melhorar o texto. Deixei como estava, com seus erros, imprecisões e frases de efeito desnecessárias. Acho que, como um relato de vida, bem como para fazer justiça a alguém que eu talvez já não seja mais, posso dizer que o escrito, quando publicado — mesmo neste tipo de veículo tão efêmero —, deixa de pertencer a nós.


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