QUINTANA, Haens Gutierrez. Design educacional focado na aprendizagem. [20–]. Livro em formato digital (.pdf). 24.p.
O autor, Haenz Quintana[1], no texto em questão busca apresentar um modelo de design educacional. Como suporte conceitual para a proposta, Quintana traça uma discussão acerca da pretensa emersão de um novo paradigma de educação, donde retira uma concepção de que se faz necessária também uma nova forma de construir processos de aprendizagem. A partir disto, passa a descrever o modelo proposto. Embora o autor não faça referência, este é claramente uma tradução/adaptação do ciclo PDCA da gestão pela qualidade — datado da primeira metade do século XX e oriundo do campo de Administração e Estudos Organizacionais —, ao processo de elaboração de práticas de ensino e aprendizagem.
Segundo Quintana, a educação tradicional seria ancorada num paradigma cujo design instrucional toma por base o professor e o ensino. Este seria o modelo da “era industrial” (p.6), no qual o estudante seria um elemento passivo, abordado a partir de um processo padronizado. Citando [apenas] o trabalho de Charles Reigeluth, afirma então que o advento do que entende por de “era pós-industrial” estaria trazendo a necessidade de um novo paradigma educacional e, consequentemente, de design educacional. Esse novo paradigma deveria ser sistêmico — construído a partir de uma “visão holística” (p.8) —, focado na aprendizagem e centrado no estudante.
Em seguida, o autor expõe seu modelo. Trata-se de sistema em quatro fases de ação, exposto através de uma representação visual circular. O modelo (a) parte de um “problema” dado (p.14), para então realizar (b) uma “fase analítica” (p.14) — na qual se coleta informações para solução do problema —, e entra por uma (c) “fase criativa” (p.18) com o intuito de elaborar a “seqüência [sic] de atividades de aprendizagem e o material didático” (p.18). Daí, advém uma (d) “fase executiva” (p.20), que na sua concepção significa a produção dos ambientes educativos e, por fim, (e) a “fase avaliativa” (p.21) onde o processo de aprendizagem e o design são avaliados em termos de sua efetividade de resolver o problema. Caso não, o design é reformulado para se adequar as necessidades e corrigir os desvios. Este seria “o ciclo virtuoso do design focado na aprendizagem” (p.22).
É interessante que, embora o autor tenha realizado uma discussão teórica, o modelo não apresenta nenhuma referência de fonte ou estudo empírico, como se este tivesse sido exclusivamente resultado do processo criativo de Quintana. Se assim fosse realmente, se trataria de um modelo dedutivo idealista, onde o problema mais abstrato da necessidade de construção de um aparato de design educacional teria se resolvido por meio da especulação pura e simples. Trata-se de artifício claramente problemático, uma vez que aparece como o resultado de um pensador isolado da práxis — portanto, das questões concretas, avanços, dificuldades do processo de aprendizagem. É extremamente questionável a possibilidade de um modelo desenvolvido de forma especulativa [metafísica] ser capaz, minimamente, de enfrentar os complexos problemas da realidade. Tanto o é que Immanuel Kant (2001), em sua Crítica da Razão Pura, já vaticinou a completa inocuidade dos juízos sintéticos a priori — em outras palavras, não é possível um conhecimento reflexivo válido sem a consideração do aspecto empírico.
Porém, acreditamos que este não foi de fato o expediente do autor. Embora Quintana não apresente nenhuma fonte ou referência sobre de onde retirou o modelo, este se assemelha em muitas características a um modelo de gestão de qualidade: o ciclo PDCA. O modelo de gestão pela qualidade disseminado por William Deming (1990) se pauta também em uma representação visual circular, porém em quatro fases de ação. Parte de um problema dado, o qual é traduzido em um plano (P) de intervenção ou melhoria — com análise e design de alternativas —, este plano é implementado (D) e controlado (C) para verificar se é capaz de solucionar o problema. Caso haja situações que destoem do esperado, age-se corretivamente (A) para remodelar o processo, num ciclo contínuo de melhoria.[2] As semelhanças são enormes, não apenas na forma de representação, mas na sequência de ações, na quantidade e natureza das etapas, entre outros. Não é possível negligenciar o fato de que, talvez, o autor tenha ali se inspirado. Neste sentido, foi um modelo elaborado por meio de uma metáfora.
O problema do modelo elaborado por metáfora está no fato de que, em primeiro lugar, seria preciso argumentar a favor da similitude dos processos comparados: neste caso, problemas gestoriais e problemas educacionais. Também é possível afirmar que se trata de um expediente problemático, uma vez que se estaria comparando dois processos sociais distintos, com objetivos também não convergentes e a partir de funções e contextos sociais se não conflitantes, ao menos não tão facilmente intercambiáveis. A proposição do modelo de Design Educacional enquanto reflexo em metáfora dos processos de gestão da industrial, o que parece ter sido o caso, precisaria de mais estudos, bem como talvez alguns ensaios empíricos.
Além disto, outras questões ainda podem ser levantadas.
O autor não reproduz diretamente o modelo de design educacional oriundo do que chamou de paradigma tradicional. Apenas apontou seus pretensos fundamentos, sem no entanto expor sua práxis para que, uma vez diante do “novo” modelo proposto, pudéssemos observar claramente as diferenças. Talvez porque, de fato, se observarmos a principal referência do que este chama de “modelo tradicional” — a saber, o educador e teórico Comenius —, seria possível perceber que sua concepção de didática está fundamentada em termos que agora o autor apresenta como “sistêmicos” e “inovadores”: Comenius (2001) já falava, no século XVII, em uma didática voltada para o estudante, pautada na forma particular como cada indivíduo aprende, e preocupado com o poder da linguagem e dos métodos neste processo. É difícil encontrar a inovação no presente texto à luz do pensador clássico.
Por outro lado, ao perceber que o modelo apresentado é uma adaptação de um sistema de gestão criado no auge da era industrial para ordenar sistemas produtivos — o PDCA —, entende-se que não houve a passagem para algo diferente. De fato, ainda é um modelo circular simples que parte de um problema, elenca possíveis soluções, testa as soluções na prática e, a partir de uma crítica dos resultados obtidos, reelabora os planos. Ao invés de aderir ao que chama de pós-industrialismo, o que o autor concebe é um processo industrial de Design Educacional.
Assim, o modelo proposto pelo autor não rompe com a padronização, pois ainda pressupõe uma estrutura geral para ser aplicada a um grupo. Tampouco melhor contextualiza, pois tece uma noção de contexto do problema e não do estudante, muito menos do docente — quando o construtivismo trata de contexto, as muitas dimensões contextuais se tornam igualmente relevantes para realçar o papel social mais amplo da educação na reprodução das relações entre classes, frações de classe e estruturas. E, nem muito menos é capaz de captar as reais questões que envolvem os processos educativos num contexto de fricção social e exacerbação das contradições do modo de produção capitalista como na contemporaneidade. Dito de outra forma, é um modelo sistêmico no mau-sentido: não se coloca como uma alternativa ao estado de coisas atual, mas apenas como uma maquiagem sobre algo que já existia, com foco na instrumentalidade e cujo resultado é a manutenção do status quo.
Percebe-se ainda que a pretensa revolução de uma passagem de foco no professor/ensino para foco na aprendizagem se mostra apenas um epifenômeno daquilo que o autor descreve como o problema: uma nova educação para a era pós-industrial. Isto porque não se questionam conteúdos, papéis sociais, conhecimentos, leitura de mundo etc. O autor questiona tão somente a forma da educação, suas instituições formais, tangenciando o cerne da questão que está no fato de que é o tipo de conhecimento e seus usos que condicionam a forma de dissemina-lo. Ao fazê-lo, sua proposta de uma nova maneira se mostra tão somente um um invólucro, uma ferramenta para disseminar ideias, papéis e valores tradicionais.
[1] Haenz Gutierrez Quintana é Designer Gráfico (UNC, Colômbia), além de mestre e doutor em Multimeios (Unicamp). Atua como Professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Tem pesquisas nas áreas de design, multimídia, educação e cultura.
[2] O PDCA na verdade foi criado primeiramente Walter Andrew Shewhart (1931) na década de 1920, como base para processos de intervenção na indústria e controle estatístico de processo. Ganhou notoriedade no Japão já na década de 1950, graças aos esforços de Deming para reconstrução do aparato industrial japonês no pós-guerra. Foi re-assimilado pelo ocidente na década de 1980, quando as companhias japonesas passaram a apresentar ganhos de produtividade e competitividade mais significativos do que as norte-americanas e europeias, já dentro do que ficou conhecido por modelo japonês de gestão, ou Total Quality Management — TQM (MOEN; NORMAN, 2010).
Referências
COMENIUS, Iohannis A. Didactica magna, 1621-1657. Tradução Joaquim Ferreira Gomes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.
DEMING, William E. Qualidade: a revolução da administração. Tradução de Clave Comunicações e Recursos Humanos. Rio de Janeiro: Marques-Saraiva, 1990.
KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Tradução Manuela Pinto dos Santos, Alexandre Fradique Morujão. 5.ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.
MOEN, Ronald D.; NORMAN, Clifford L. Circling back: clearing up myths about the deming cycle and seeing how it keeps evolving. Quality Progress, p.22-28, nov. 2010. Disponível em: <http://asq.org/quality-progress/2010/11/basic-quality/circling-back.html>. Acesso em: 23 abr. 2014.
SHEWHART, Walter A. Economic control of quality of manufactured product. New York: D. Van Nostrand Company, 1931.
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