FRANCO, Maria Laura Publisi Barbosa. Análise de conteúdo. 3. ed. Brasília: Líber Livro, 2008. (Série Pesquisa, v. 6).
Análise de conteúdo de Maria Laura Franco[1] é um breve texto introdutório acerca desta técnica de pesquisa, trazendo esboços das principais questões envolvidas, mas principalmente uma lista de passos relevantes para seu planejamento e aplicação. O objetivo declarado do trabalho é o de apresentar a análise de conteúdo como método que serve também para pesquisa crítica. O texto possui seis capítulos que tratam de aspectos práticos da atividade de efetivação do procedimento e um sétimo que, na verdade, se configura como um exemplo de sua utilização, o qual nesta resenha será menos privilegiado graças a esta característica principalmente instrumental.
Segundo a autora, as principais bases teóricas para o método de análise de conteúdo residem na lingüística e na teoria da comunicação, ainda que da primeira se afaste por diferença ontológica de foco. A partícula principal, o objeto perseguido, pelo método em questão seria a mensagem em toda sua complexidade. Esta se configuraria como um processo relacional, obviamente envolvendo ao menos dois indivíduos, cujo texto – que pode ser verbal, simbólico, gestual, etc. – possui tanto um significado como um sentido. Significado, no texto, é aquilo entendido ao receber a comunicação de uma coisa através da linguagem falada ou simbólica, uma representação coletiva; já sentido seria aquilo a que um determinado indivíduo associa a uma palavra ou expressão no momento em que a compreende, ou seja, seu composto emocional, neste caso um elemento marcadamente individual.
Qualquer mensagem, de acordo com Maria Laura Franco, é formulada num contexto que a significa. Tais conjunturas envolveriam tanto aspectos mais gerais, como a história, a linguagem e a cultura em meio às quais a partícula de comunicação é formulada, como elementos essencialmente individuais: classes sociais à quais os indivíduos pertencem; suas filiações políticas; seus limites ideológicos; sua escolaridade; entre outras peculiaridades. Por tentar dar conta do estudo de um processo social complexo como a mensagem, a análise de conteúdo deve se resguardar de certos perigos: (1) como o de se formular totalmente descritiva, pois não acrescentaria conhecimento algum; (2) ou de não ser capaz de captar o sentido global da fala em ação, o que significa estar aberta para as dialéticas envolvidas na transmissão do texto. Desta forma a análise de conteúdo se configura também como a comparação e classificação de dados referentes a um discurso.[2]
Partindo da premissa de que a mensagem resume, em si, características daquele que a emite, a análise de conteúdo se propõem a reconstruir, a partir desta, o complexo comunicativo envolto – isto, segundo Franco, através inclusive da escolha de indicadores e elaboração de inferências. A comunicação, descreve a autora, é um processo que parte de uma fonte, esta escolhe um codificador para a mensagem, a seguir um receptor tem acesso a esta, que então a decodifica. Uma mera descrição deste processo não acrescenta conhecimento, mas a construção de juízos a respeito de suas causas – objetivos – e efeitos é, talvez, a principal contribuição da análise de conteúdo.
Se for indagado “quem” é o emissor ou “qual o porquê” da mensagem, o foco será, obviamente, o produtor do texto, donde se pode inferir, por exemplo: (1) o porquê das escolhas de texto efetuadas, seus objetivos; e (2) mesmo sua concepção de mundo, as teorias que, deliberada ou ideologicamente, orientam sua ação e seu discurso. Por outro lado, se a pergunta de partida envolve o efeito da mensagem, o foco será, evidentemente, no receptor. A autora faz questão de lembrar que tal tipo de avaliação passa pela dificuldade do pesquisador em despir de sua própria interpretação da mensagem para tentar captar a interpretação do receptor. Este tipo de análise condensaria principalmente uma leitura do conteúdo manifesto da mensagem, que, de longe, é o principal objeto de análise visto que a interpretação sem critérios pode levar a falácias de subjetividade; mas, a autora não descarta a realização de induções acerca do conteúdo implícito da mensagem, desde que orientada por fatores objetivos como o contexto, a cultura, a sociedade e mesmo o interesse manifesto do emissor.
Maria Laura Franco defende que a análise de conteúdo tem três fases mais importantes, concatenadas como a seguir: (1) a descrição da mensagem; (2) a construção de inferências; e (3) a interpretação. A parte de inferências seria a mais importante, pois guardaria o momento no qual os dados seriam (a) comparados entre si, (b) confrontados com arcabouços teóricos do discurso ou mesmo das intenções do interlocutor, e mesmo (c) colocado à disposição de análise por especialistas nos campos em que a mensagem toca.
Segundo a autora, são três os métodos de análise de discurso, distribuídos do mais próximo da lingüística até o mais próximo da hermenêutica: (1) lógico-estéticos formais, emergindo como análises sentido, retórica e palavra, etc.; (2) lógico-semânticos; e (3) os semânticos e semântico-estruturais, o primeiro se configuraria por tratar do aspecto psicológico da semântica, e o segundo por dar especial atenção a caracteres de ambiente como instituições, estruturas sociais e mesmo o processo histórico. O método número 2, lógico-semântico, tem por características uma análise não-formal, mas principalmente voltada para compreensão do conteúdo manifesto, atenção a vários tipos de texto, e caracterizado principalmente pela busca de seu sentido.
Iniciando a etapa mais prático-prescritiva do livro, Maria Laura Franco destaca a importância da elaboração do plano de pesquisa para a condução da análise de conteúdo. Uma pesquisa significativa estaria inevitavelmente apoiada em um plano bem realizado, claro e bem estruturado para responder a indagação de partida. Seriam quatro os elementos principais de um plano bem elaborado: (a) procedimento de amostra clarificado; (b) definição prévia de categorias de conteúdo; (c) esboço das intenções de comparação das categorias; e (d) classes de inferências esperadas pelo pesquisador. A autora apresenta uma extensa matriz com informações úteis para elaboração de tal plano, concatenadas com as questões de pesquisa mais comuns, que não reproduzimos aqui.
A análise de conteúdo perpassa pela definição de unidades analíticas que serão captadas no campo. Tais unidades de análise, aponta Franco, podem ser divididas em duas categorias complementares e indispensáveis numa pesquisa desta natureza: as unidades de registro e as unidades de contexto. Unidades de registro são as menores partes que compõem o quadro analítico utilizado na metodologia. Podem ser de diferentes tipos, normalmente adaptadas à cada conjuntura, e de alcance explicativo limitado, o que destaca a importância da outra classe de unidades. A autora destaca quatro principais tipos de unidades de registro: (1) a palavra; (2) o tema; (3) o personagem, as pessoas que estão envolvidas no processo de comunicação que é objeto da pesquisa; e (4) os itens, que podem ser livros, documentos, etc. Tais caracteres não podem ser utilizados de maneira segregada, mas devem, sim, formar um composto entre si para daí emergir uma pesquisa mais rica.
As unidades de contexto, de natureza mais ampla e geral, são o que permite compreender a codificação da mensagem explicitada e analisada em sua particularidade pelas unidades de registro. Trata-se de tudo aquilo que permite caracterizar, significar e historicizar os dados menores, colocando-os como parte de um todo mais complexo. A definição das unidades de contexto passa, obviamente, por um juízo prévio que deve ponderar o custo de obtenção da informação, e sua relevância; normalmente, é expressa também de muitas formas, desde tabelas de caracterização, associadas às unidades de registro, até histórias de vida dos personagens.
Uma vez definidas as unidades, e captadas as informações, a autora destaca que se deve seguir para a fase de análise dos dados – não que isto seja meramente linear, pelo contrário, deve envolver um processo dialógico entre as fases “pregressas”. Esta etapa analítica se inicia, segundo Franco, em uma pré-análise que constitui um esforço para criar critérios a serem utilizados posteriormente. No livro são apontados quatro passos interconectados para a pré-análise: (a) inicia-se com a leitura flutuante, onde o pesquisador passa quase despretensiosamente pelos dados, conhecendo-os e indagando possíveis instâncias classificatórias; (b) a seguir, faz-se uma escolha dos documentos, que envolve uma delimitação do universo principal e a eleição de um corpus, o conjunto de dados basilar que, a partir de então, será diretamente analisado;[3] (c) formulação de hipóteses, que são respostas prévias a serem confrontadas com os dados a título de teste – estas normalmente advêm da teoria de base e/ou da etapa exploratória; por fim, (d) se referencia índices, menções de temas explícitos ou implícitos, a indicadores que podem ser quantificáveis ou não.
Segundo a autora, a última parte da análise é a organização dos dados em categorias. A criação de categorias de análise seria um dos processos mais complexos de toda a metodologia, precisando de redobrada atenção, até por que não haveria possibilidade de elencar fórmulas simples para tanto. Tais categorias, na análise de conteúdo, podem envolver elementos semânticos, onde se foca o significado do dito; sintáticos, quando se avalia a classe de palavras empregadas no processo de comunicação; léxico, se for priorizada a observação dos sentidos do texto; e mesmo expressivo, iluminando precisamente os momentos de tensão na mensagem. As categorias ainda podem ser classificadas quando ao momento na pesquisa em que são elaboradas: (1) se a priori, precedem a coleta e de certa forma a limita, simplifica e fragmenta; (2) se a posteriori, emergem da mensagem, exigem uma experiência maior por parte do pesquisador, geralmente redundam em uma enorme quantidade de informação, mas proporcionam dados novos e categorias mais próximas da realidade e menos suscetíveis a preconceitos iniciais.
Por fim, a autora aponta três características do que considera serem “boas categorias” (p. 67). A primeira delas é a capacidade de se agregarem a uma única dimensão de análise, não podendo avançar por dimensões conflitantes ou demasiadamente distintas e excludentes, a autora chama esta característica de “exclusão mútua” (p. 67). Na seqüência, há a necessidade de que a categoria seja “pertinente” (p. 67) o que significa que deve dar conta dos objetivos elencados de maneira objetiva e representar fielmente os dados coletados. Por fim, defende que uma boa categoria é produtiva, “Um conjunto de categoria é produtivo desde que concentre a possibilidade de fornecer resultados férteis. Férteis em índices de inferências, em hipóteses novas e em dados relevantes […].” (p. 68).
Este livro de Maria Laura Franco é particularmente interessante por, apesar de breve, não deixar de apresentar algumas das questões críticas que caracterizam a metodologia da análise de conteúdo, sem também não abandonar a prescrição. No entanto, apesar de elencar estes elementos, não se percebe uma conexão clara entre as dimensões contraditórias do método e sua aplicação na prática, como se não houvesse conexão entre ambos, como se a prática não fosse envolvida e significada pelos usos e objetivos mais amplos. Ainda, o tamanho e o propósito do texto parecem ser incompatíveis, deixando questões em aberto, como a elaboração de categorias, e não discutindo questões conceituais e teóricas a contento. De todo modo, trata-se de uma introdução necessária e, ao menos, rápida.
[1] Maria Laura Franco é pedagoga formada pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras Sedes Sapientiae (1960), mestre em Psicologia da Educação pela PUC/São Paulo (1977) e doutora em Psicologia da Educação pela PUC/São Paulo (1981). Atualmente é docente titular do Centro Universitário FIEO. Atua com os temas: avaliação educacional, políticas educacionais, qualidade de ensino e representações sociais. Disponível em: <http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4780218P5>. Acesso em 29 set. 2009.
[2] Aqui usamos a palavra “discurso” como sinônimo da expressão “mensagem”, ou mesmo “texto”. Não pretendemos entrar na seara de discussão aberta pela academia francesa acerca do significado do termo discurso, que envolveria tanto mensagem como ação. A autora sempre usa o termo mensagem.
[3] Maria Laura Franco descreve três métodos para escolha da relação do corpus: (1) regra exaustiva, onde se incluirá tudo que se dispõe no universo delimitado; (2) regra representativa, na qual se extrai uma amostra, principalmente quando o universo é muito extenso; (3) regra da homogeneidade, onde se congregam aqueles documentos que possuem entre si características semelhantes (FRANCO, 2008, p. 53-54).
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