Resenha: “Explicação e Entendimento”

KEIL, Frank C. Explanation and understanding. Annual Review of Psychology, n. 57, p. 227–254, 2006.

O artigo objeto desta resenha, publicado pelo professor e pesquisador norte-americano Frank Keil[1], é resultado de uma revisão de literatura que toma por objeto o arcabouço psicológico por detrás da construção de explanações[2] individuais acerca do funcionamento das coisas do mundo; tudo isto com o intuito de demonstrar seu conceito, sua variedade, componentes, estruturas e utilidade. O autor defende que: de modo geral, indivíduos são conduzidos a elaborar explicações, estilos explanatórios e estratégias para lidar com possíveis lacunas em seus construtos; normalmente, ainda que possuam rotinas críticas, assumem como suas explanações incompletas e mesmo falhas; e as diferenças entre os muitos estilos explanatórios são mais bem explicadas pelos contextos do que pelas habilidades singulares das pessoas. Keil divide seu texto em onze breves partes, mas podemos agrupá-las em três conjuntos maiores: (1) o primeiro, que congrega as partes 1, 2, 3 e 4, trata da natureza e das tipologias da explicação; (2) a seguir as partes de 5 a 9 tratam dos limites da capacidade explicativa das explanações e de como indivíduos lidam com tais dificuldades; (3) na 10ª e 11ª etapas o autor expõe duas linhas de raciocínio acerca do surgimento das capacidades explanatórias.

Explanações a primeira vista se mostram como o frio resultado de uma cadeia lógica de conclusões a partir de premissas válidas que envolvem julgamentos acerca da realidade – como na lógica formal – aparentemente dotadas de uma racionalidade quase natural. No entanto, segundo Frank Keil, estas são, de fato, construtos de relação, normalmente, mas não exclusivamente, entre causa e efeito, auferidos de maneira muito mais intuitiva do que necessariamente deliberada. Talvez até muito mais de forma emocional do que puramente racional.

Para dar conta da caracterização do que seria a natureza da explanação, Keil as difere de teorias intuitivas e modelos mentais. Primeiro, afirma que, diversamente de teorias intuitivas, explanações envolvem ao menos dois papéis, o transmissor e o receptor: ainda que um mesmo indivíduo possa representar ambos, isto demonstra que a explanação é um fenômeno eminentemente relacional. Mais, ainda que uma teoria possa dar início a uma mudança conceitual, isto não é absolutamente necessário para que uma teoria exista. Haveria, portanto, uma diferença ontológica entre tais teorias intuitivas[3] e as explanações. Uma explanação congregaria uma natureza adaptável, além de, até mesmo, auxiliar a expor insuficiências de uma teoria intuitiva quando é externada para tentar explicar algo. Já os modelos mentais seriam construtos espacialmente elaborados para explicar um determinado “arranjo mental”. Mesmo que estes modelos existam em si, seria necessário o uso de explanações como forma de interpretá-los, logo, também seriam ontologicamente distintos.

Explanações, segundo o autor, podem ser diferenciadas se utilizando de quatro critérios: através dos padrões causais que elas empregam, das posturas declaratórias pelas quais são significadas, dos domínios à quais estão vinculadas, e do arcabouço emocional que as envolve. São quatro os tipos de padrões causais nos quais as explanações podem ser enquadradas: (1) causa-comum, que aponta uma razão em comum para o surgimento de efeitos diversos; (2) efeito-comum, na qual uma série de causas é associada para formação de uma conseqüência; (3) cadeia linear de causas, onde um evento é resultado de uma combinação única de causas concatenadas passo a passo; (4) “casual homeostatic” (p. 231), aquelas que procuram explicar como um conjunto de causas e efeitos se interconectam produzindo estabilidade num sistema.

As explanações são também marcadas pelas posturas, ou pressupostos, assumidas por seus propositores – atitudes estas que não são teorias, mas sim molduras conceituais que condicionam e orientam a formulação de explicações. Keil, citando Dennett, exemplifica utilizando três tipos de instâncias que podem orientar a formação de explicações: a mecânica, que inevitavelmente provê explicações sobre o funcionamento das coisas do mundo como se fossem mecanismos; a postura do design, que percebe indivíduos e coisas como dotados de propósitos que extrapolam o mero funcionamento dos eventos nos quais estão envolvidos; e a intencional, onde aquele que constrói uma explicação o faz orientado por uma premissa teleológica, ou seja, objetivando um fim em específico.

Domínios, segundo Frank Keil, são algo próximo do que conhecemos por disciplinas acadêmicas: os campos de atuação, conhecimento e representação específicos que envolvem objetos, questões, tradições, éticas, lógicas e pressupostos próprios e diferenciados entre si. Cada um destes campos também influencia e condiciona os tipos de explanações que são elaboradas em seu âmbito, exatamente por orientar os tipos de perguntas elaboradas. Por fim, explanações são também influenciadas/diferenciadas pelo arcabouço emocional em meio a qual foram formuladas. A motivação por algo, valores/princípios e mesmo simples rejeição irracional, pode auxiliar a reforçar ou enfraquecer a aceitação/rejeição de uma explanação.

O autor aponta, então, algumas funções que explanações podem assumir. A mais comum, segundo Keil, é permitir que seja possível antecipar um evento futuro baseando-se na verificação da ocorrência de suas “causas”. Há também a papel de prover diagnósticos acerca das causas da falha de sistemas – ou mesmo pessoas – permitindo que possam ser “consertados”, ou acerca da eficácia de atitudes, técnicas, etc. Além disto, explanações auxiliariam a decompor um evento sem necessariamente tentar prevê-lo, como para imputar culpa sobre um ato ilegal. Outra função para as explanações seria a de justificar atitudes ou escolhas tomadas. Por último o autor cita o uso das explanações para incrementar o prazer estético, estendendo a relação entre aquele que a ouve e o objeto que está sendo explicado.

Na segunda parte do artigo, o autor indica limites para as explanações. Em primeiro lugar, Keil questiona se, num mundo onde um simples fenômeno possui inúmeras variáveis – e, de certa forma, é influenciado por quase infindáveis causalidades, de diferentes ordens e naturezas –, é possível que uma explanação acesse a essência das coisas. Segundo o autor, superestimamos a profundidade das explanações que concedemos e, normalmente, não estamos completamente informados acerca de seu alcance e conseqüências.

Keil afirma, então, que mesmo que existam explanações de diferentes ordens, as mais importantes e presentes no quotidiano são aquelas que defendem relações de causalidade. Segundo o autor, temos preferências por explicações causais mesmo quando noções probabilísticas são mais pertinentes. Além disto, em cadeias de causas, tendemos a reduzir as explanações aos eventos de gatilho, ignorando as influências marginais e outras causalidades implícitas. Ainda, alguns domínios de conhecimento parecem ser mais objeto de explanações de causalidade do que outros, onde imperam noções mais probabilísticas. No entanto, e talvez graças à complexidade dos fenômenos, coexistem explanações distintas sobre as mais variadas coisas, que representam diferentes percepções de causalidade, as quais, de certo modo, tendem a ser insuficientes em si mesmas.

Acabamos, então, por ser obrigados a escolher entre diferentes explanações, classificando-as como “boas” ou “ruins”. Segundo Frank Keil, consideramos três dimensões para elaborar tais julgamentos: a existência de raciocínios circulares, cuja capacidade de identificação pode ser falha a depender do tamanho e complexidade da explanação; sua relevância, ou seja, se a explanação ataca o problema no nível necessário para compreendê-lo, percepção que será, inevitavelmente, embotada por nossos próprios preconceitos acerca do objeto, ou até mesmo por egocentrismo – no sentido que de usamos nossos próprios limites de conhecimento para avaliar a capacidade os outros; e a coerência, a característica de uma explanação conter uma linearidade interna independente de explicações adicionais. Esta última, a coerência, possui problemas: tanto conceituais, pois tal parâmetro esbarra no fato de que dificilmente um fenômeno pode ser bem compreendido isoladamente; como empíricos, já que pessoas geralmente mantêm apenas pequenas peças de entendimento acerca de um todo muito mais complexo do que são capazes de acompanhar, e normalmente acreditam em explanações que, geralmente, se revelam contraditórias. Na escolha, também parecem pesar a ordem com que as explicações nos são apresentadas, privilegiamos aquelas que nos são primeiramente apontadas; mas também, de acordo com o autor, ponderamos em termos de simplicidade de estrutura, muitas vezes preferindo uma explanação com poder de antecipação menor apenas por ser mais fácil de compreendê-la.

Explanações são conduzidas por súbitas reformulações do campo perceptual dos indivíduos, auferidas de intuições – um ato de conhecimento no qual o indivíduo apreende um objeto de forma direta e imediata. Tais intuições podem apontar para algum progresso de entendimento, mas isto, segundo Keil, é superestimado. Normalmente, indivíduos passariam pelo que o autor chama de ilusão da profundidade de explanação – IOED do inglês, illusion of explanatory depth (p. 242): uma distorcida, e superestimada, percepção acerca de sua capacidade de compreender o mundo. Keil aponta quatro fatores que explicariam porque somos tão vulneráveis às insuficiências das explanações: (1) por conta de sua estrutura hierárquica, não são satisfatórias para compreender a função de mecanismos complexos, menos ainda seu funcionamento; (2) suas frases são geralmente obscuras, não permitindo mensurar sua capacidade de explicação; (3) explanações são superficiais, pouco detalhadas, o que também atrapalha a avaliação; (4) e confundimos a capacidade de entender uma explanação com a aptidão de juntar elementos dispersos para compreensão de um objeto dado.

Keil aponta três formas através das quais os indivíduos lidam com as lacunas existentes nas explanações que assumem, no entanto foca apenas uma: a busca por fontes externas. Quando as pessoas percebem lacunas em suas explicações, normalmente elas recorrem a indivíduos que poderiam resolver tais falhas; segundo o autor, estudos sobre cognição distribuída apontam que, em grupo, seríamos propensos a fornecer explanações melhores. Este processo de “terceirização” passaria, inevitavelmente, pela crítica das fontes e por sua classificação em confiáveis ou não confiáveis; segregaríamos os discursos a partir de juízos acerca do comprometimento, capacidades gerais ou específicas dos indivíduos. Crianças já seriam capazes de criticar suas explanações em função do discurso alheio, porém ajuizando sobre sua confiabilidade.

As habilidades explanatórias, continua Keil, se desenvolveriam a partir de muitas dimensões – o autor aponta para três – a partir do próprio desenvolvimento da criança. Segundo o autor, os “porquês” que tanto estão presentes no vocabulário infantil são prematuros desejos por explanações acerca do funcionamento do mundo. Ainda, crianças seriam capazes, bem cedo, de adequar discursos à diferentes domínios. Mas, segundo o autor, a capacidade de explicar eventos passados chega antes da habilidade de antecipar acontecimentos; para Keil junto com o avançar etário viriam os diversos desenvolvimentos da capacidade de prover, mudar e comprar explanações.

Por fim, Keil defende que em diferentes culturas, ainda que as formas explanatórias principais sejam diferentes, todas as outras estão presentes em maior ou menor grau. O autor faz a clássica – talvez enfadonha e deslocada – diferenciação entre culturas mais “coletivistas” e culturas mais “individualistas” para demonstrar que, em cada uma destas, há uma dominância de tipos diferentes de explanação, mais situacionais para os primeiros, e predominantemente disposicionais para os últimos. A forma dominante de explanações estaria também vinculada à atividade (de trabalho) principal de uma cultura. E também o caso de que determinadas explanações entre culturas semelhantes apontem para um corpo principal de noções de causalidade, mas se desenvolvam de maneira diferentes – o autor dá o exemplo da noção de animismo, que hora assume uma noção de as coisas do mundo são parte de um organismo vivo, e em outras culturas se desenvolve uma explicação animista da troca de fluidos vitais.

O autor, de modo geral, faz um grande retrospecto da problemática de como indivíduos formulam explanações, sua natureza, limites e fontes, mas parece apontar que na área a opinião que ele defende acerca do fenômeno é ponto pacífico. O texto não indica possíveis controvérsias ou críticas às formulações, e tudo se encaixa num quase acrítico continuum de formulações que se complementam. Parece no mínimo suspeito que em um campo das ciências sociais haja um único tópico dotado de tamanha certeza, isento de antinomias.

Por fim, é preciso lembrar que o elaborador desta resenha, administrador e economista, não possui conhecimentos necessários para a crítica de um texto de área do conhecimento tão completamente distinta. É questionável, inclusive, se seria possível enquadrar um trabalho destes como uma resenha, visto que um texto crítico sobre qualquer campo do conhecimento demanda uma maturidade intelectual específica, o que não é o caso. Entendemos, portanto, que este é, no máximo, um resumo crítico do artigo de Frank Keil, como não poderia deixar de ser, dado as circunstâncias nas quais foi solicitado e elaborado.


[1] Frank C. Keil é biólogo formado no Massachusetts Institute of Technology – MIT (1975), mestre em psicologia pela Stanford University (1975) e Ph.D. em psicologia pela University of Pennsylvania (1977). É professor de Psicologia e Lingüística – além de pesquisador do departamento de psicologia – da Yale University, New Haven/Connecticut, onde compõe o Yale Cognition and Development Lab. Têm interesse de pesquisa, sobretudo, no papel das teorias intuitivas para construção das maneiras através das quais indivíduos elaboram representações e significados do mundo, e como estas influenciam na compreensão da realidade. Fonte: FRANK C. KEIL. Résumé. 2009. Disponível em: <http://www.yale.edu/psychology/FacInfo/Keil.html&gt;. Acesso em: 1 setembro 2009.

[2] Estávamos em dúvida acerca da tradução do termo explanations para “explanação” ou “declaração”. Utilizamos “explanação” por este envolver um duplo movimento de organização de uma estrutura lógica e sua expressão através da linguagem, o que acreditamos ser mais próximo da intenção do autor do que simplesmente a palavra “declaração”, que parece prescindir da prévia construção lógica.

[3] Teorias intuitivas são construtos abstratos elaborados para a apreensão de fenômenos cuja estrutura lógica se aproxima do que pensa o senso comum. Portanto, são particularmente infecundas ao nada acrescentar para a compreensão dos problemas formulados, apenas captando a aparência das coisas.


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