SUZIGAN, Wilson. Experiência histórica de política industrial no Brasil. Revista de Economia Política, v.16, n.1 (61), p.5-20, jan./mar. 1996.
O artigo aqui resenhado trata acerca de como foi conduzida a(s) política(s) industrial(is) no Brasil entre as décadas de 30 e 70. O objetivo pretendido é o de demonstrar que tais políticas, apesar de atingirem o objetivo de fomentar o desenvolvimento industrial no país, não o prepararam para acompanhar as transformações tecnológicas pelas quais o mundo passou a partir da década de 80. O texto se divide em três partes mais importantes: [1] em primeiro lugar o autor mais justifica do que discute o conceito de política industrial que adota; [2] a partir do que expõe acerca da – ou ausência de – lógica da política industrial brasileira de 30 a 70; e então [3] analisa o que acredita serem os dois momentos mais relevantes nos quais o governo perseguiu a adoção de uma política industrial, o Plano de Metas e o IIº PND.
Suzigan inicia a segunda seção definindo política industrial como “uma expressão abrangente de medidas e programas que direta ou indiretamente afetam o setor industrial.” (p.6). Esta categoria de política teria como papel o de “criar externalidades positivas (tecnológicas e pecuniárias) que propiciassem aumento de produtividade (capital e trabalho) na economia como um todo.” (p.7).[1] Tais políticas buscariam efeitos ou de (a) cunho tecnológico, ou de (b) aspecto pecuniário – o que, em outras palavras, significa subsídios e transferências diretas ou indiretas. O autor propõe cinco marcos teóricos para avaliar a política industrial brasileira no período: (1) existência de “planejamento, estratégia [e] coordenação” (p.8); (2) o estabelecimento de “diretrizes, objetivos [e] organização institucional” (p.9); (3) a proposição de “targeting de setores, indústrias ou tecnologias” (p.9); (4) a implementação de “instrumentos e políticas auxiliares” (p.10); e (5) a condução de “investimentos em infra-estrutura [sic] e desenvolvimento do sistema educacional e de treinamento” (p.10).
Nas décadas de 30 e 40 não teria havido, segundo o autor, qualquer sombra de planejamento ou ação coordenada. Não se viram tampouco, segundo Suzigan, instrumentos e políticas auxiliares ao desenvolvimento da indústria, como “políticas de comércio exterior, financiamento, incentivos de fomento e [ou] políticas de competição/regulação.” (p.10). No entanto já existiam políticas que beneficiavam setores específicos – como siderurgia, ferro, etc. –, o que caracteriza um tipo de targeting.
A partir da década de 50 algum esforço de planejamento e coordenação surgiu. Primeiro no segundo governo de Getúlio Vargas com a Comissão de Desenvolvimento Industrial – CDI –, a qual gerou o nunca implementado Programa Geral de Industrialização – PGI. Então os estudos realizados pelo CMBEU e pela cooperação Cepal/BNDE, bem como a base institucional do governo anterior, serviriam para a elaboração e condução do Plano de Metas no governo de Juscelino Kubistchek. Foi no Plano de Metas que, segundo o autor, se começou a estabelecer objetivos formais, mas beneficiando-se principalmente do trabalho realizado pelo governo anterior. O Plano de Metas também consolidaria a prática de targeting, tendo também herdado do governo anterior alguns incentivos para a química e mecânica pesada, transportes, etc. No entanto nesta segunda metade da década de 50 a CDI seria extinta.
Na década de 50 também se organizariam políticas de proteção cambial, bem como incentivos a exportação e proteções tarifárias. Estas seriam sistematicamente ampliadas até o final da década de 70 sem, no entanto estarem atreladas a quaisquer tipos de contrapartidas e/ou vinculadas a padrões econômico-racionais de seleção.[2] Outra característica particularmente presente durante o processo amplo de gestão industrial do sistema econômico brasileiro também ganharia um fôlego maior na década de 50: os investimentos em “investimentos em infra-estrutura [sic] e desenvolvimento do sistema educacional e de treinamento” (p.10). O autor nota que, apesar de se ter construído no Brasil, até o final da década de 70, um aparato infraestrutural capaz de dar o suporte necessário às transformações das indústrias nacionais no período, o sistema educacional não teria acompanhado tal desenvolvimento, sobretudo no que diz respeito ao ensino básico.
Na década de 60, segundo Suzigan, a coordenação e o planejamento econômico se voltaram para contornar as crises política e econômica. A CDI seria recomposta nesta década, rebatizada como Conselho de Desenvolvimento Industrial, a qual estabeleceria as diretrizes e os objetivos para o desenvolvimento industrial brasileiro até 1979.
A partir de 68 até 73, o período do ‘milagre’, a problemática do desenvolvimento voltou à tona, mas toda a coordenação foi ofuscada pela política macroeconômica. Havia políticas e metas setoriais já neste período segundo o autor, provavelmente fazendo menção ao privilégio do governo em relação ao desenvolvimento do departamento III da economia.
Para Suzigan somente em 1974, sob o governo do Gen. Ernesto Geisel, o Brasil veria novamente uma política industrial planejada e coordenada pelo Estado a partir do II Plano Nacional de Desenvolvimento. Os objetivos e as diretrizes, como já foi dito anteriormente, eram estabelecidas pela CDI e seriam até o final da década. Mas no IIº PND se objetivou ampliar sistematicamente as práticas de targeting, visando o desenvolvimento de indústrias como a de produtos básicos (notadamente petroquímica e metais não ferrosos), bens de capital e indústrias de tecnologia avançada – energia nuclear, armamentos, informática, etc.
Mas estes desenvolvimentos não mudaram algumas práticas já estabelecidas. Por exemplo, “os instrumentos e políticas auxiliares deram à política industrial de todo período até 1979 características de forte protecionismo, geralmente não-seletivo [sic], subsídio à formação de capital e à exportação e pesada intervenção reguladora.” (p.10). O papel do Estado como fornecedor de infraestrutura se intensificou durante o IIº PND, assim como o descaso com o aparato educacional evoluiu.
Tendo isto como perspectiva, o autor então demonstra que somente durante a implantação do Plano de Metas na década de 60, e do IIº PND na década de 70, houve no Brasil uma política industrial em sentido amplo, tal qual foi discutida anteriormente. Segundo o autor, “essas experiências possibilitaram a estruturação da indústria de transformação, completando cadeias produtivas, o início da constituição de um sistema nacional de desenvolvimento tecnológico, e os primeiros passos em direção à incorporação de indústrias de tecnologia avançada.” (p.14).
Suzigan conclui que, apesar de bem-sucedida no sentido de construir um aparato industrial complexo, as políticas industriais elaboradas entre 1930 e 1970 não conseguiram estabelecer uma indústria que fosse competitiva, inovadora ou, em outras palavras, dinâmica. E isto por conta de seis erros principais que enumera: (1) protecionismo excessivo; (2) ênfase meramente contingencial da exportação já tardia e desarticuladamente; (3) desatenção à fomentação da capacidade inovadora; (4) existência de subsídios para formação de Capital; (5) forte intervenção reguladora por parte do Estado; e (6) ausência de uma sequência coerente de planos para desenvolvimento da indústria. “O resultado foi um processo de desenvolvimento concentrador de renda, com agravamento das desigualdades sociais, e disseminação de atividades rentistas favorecidas pela combinação de proteção e subsídio.” (p.15).
Se concordamos com autor no que diz respeito à fragmentação da política industrial brasileira, bem como a seus efeitos, discordamos no que diz respeito ao balanço do resultado em relação ao alcance de seus objetivos. Não duvidamos dos resultados, sobretudo no que diz respeito ao agravamento das desigualdades sociais, apenas pretendemos chamar a atenção para o fato de que talvez este fosse a finalidade geral de todo o construto. As políticas industriais perseguidas contribuíram para a efetiva reformulação da estrutura produtiva como, por exemplo, observa Francisco Oliveira (1977. 1981) ao notar que os planos econômicos do governo militar foram muito eficientes ao privilegiar o grande Capital nacional e internacional em detrimento da classe trabalhadora e da pequena e média burguesia; fazendo com que somente grandes empresas suportassem a crise entre 64 e 68 para que, então, pudessem realizar lucros extraordinários durante o ‘milagre’.
O problema da crítica de Wilson Suzigan está no fato de que supõe o Estado como um perseguidor do bem comum, cujas políticas teriam a função de incrementar um tipo ideal de bem-estar. No nosso entendimento, quando isto acontece há uma disfunção no papel do Estado – a qual sempre é corrigida cedo ou tarde –, levando a crer que, de fato, a política industrial brasileira entre 1930 e 1980 – ou até hoje – foi vitoriosa na íntegra. Resta então compreender para quem…
Referências
COUTINHO, Luciano G.; BELLUZZO, Luiz Gonzaga de Mello. Política econômica, inflexões e crise. In: BELLUZZO, Luiz Gonzaga de Mello; COUTINHO, Renata (Org.). Desenvolvimento capitalista no Brasil: ensaios sobre a crise. São Paulo: Brasiliense, 1982. v.1. p.159-193.
FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Diagnóstico nacional da indústria de construção: relatório síntese. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1984a. (10 volumes). Disponível em: <http://www.bibliotecavirtual.mg.gov.br/>. Acesso em: 17 mai. 2010.
OLIVEIRA, Francisco de. A economia da dependência imperfeita. 3.ed. Rio de Janeiro: Graal, 1977.
OLIVEIRA, Francisco de. A economia brasileira: crítica à razão dualista. 4.ed. Petrópolis: Vozes, 1981.
[1] Pitorescamente o autor faz uma pequena articulação silogística para concluir que o objetivo último da política industrial, bem como de “qualquer política pública” (p.7), seria o da melhoria do bem-estar social. Citando-o literalmente, diz que “esse aumento d produtividade [perseguido pela política industrial], por sua vez, viabiliza o aumento do salário real e o crescimento da acumulação de capital sem pressão sobre os preços e, por fim, a melhoria do bem-estar social […].” (p.7). O interessante é que Suzigan foge de uma definição neoclássica de política industrial, mas esbarra num raciocínio tipicamente neoclássico o qual pressupõe – sem mostrar interesse pelas nuances do processo de distribuição da renda num regime capitalista – que aumentos de produtividade per si impactam em acréscimos de bem-estar. Importante notar que é falsa a premissa de que, se mais riqueza estiver sendo produzida com menor esforço, ela vai ser mais bem distribuída automaticamente. No limite, o efeito pode até mesmo ser o inverso. Talvez se houvesse incluído este fator em sua análise, os resultados de suas conclusões pudessem ser mais otimistas quanto aos resultados das políticas industriais brasileiras frente aos objetivos concretos perseguidos.
[2] Na verdade a construção frasal “padrões econômico-racionais de seleção” é nossa. Wilson Suzigan simplesmente cita a não seletividade deixando nas entrelinhas uma crítica, muito provavelmente tomando como pressuposto óbvio, porém não discutido, que a racionalidade econômica linear deveria ter sido utilizada. No entanto, isto não significa que não tenha havido, ao longo dos anos, algum processo de seleção na escolha das indústrias protegidas – podem, muito bem, ter sido usados parâmetros mais subjetivos para tanto, como laços de amizade, articulações políticas, interesses pessoais, formação de coalizões de poder, etc.
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