Apelo aos jovens administradores*

Nesta noite queria eu poder simplesmente reafirmar o quão é importante o administrador para a humanidade.

Na verdade, aqui e agora seria muito de bom tom demonstrar como este profissional, o qual atua no limite prático entre as ciências reflexivas e as ciências naturais, é imprescindível para a coesão do mundo do homem. Embora seja um lugar-comum, eu poderia ressaltar também como a gestão — a atividade do administrador — é o principal elo entre aquilo que a coletividade deseja alcançar e suas disponibilidades materiais concretas. Diria que somos profissionais que a sociedade escolheu para a conduzir na perseguição de seus objetivos. E assim, fecharia a minha exposição simplesmente convidando os novos colegas a exercerem com ética a sua nobre atividade. Seria um bom discurso.

Mas, uma vez tendo sido convidado para falar jovens profissionais sobre sua aderência ao ramo profissional, isto nos remete à noção do papel do administrador. E não poderia fazê-lo sem previamente discorrer acerca deste objeto tão contraditório e peculiar que é o nosso mundo contemporâneo onde esta função será exercida. Isto muda tudo, pois o convite para meus queridos colegas será um tanto diferente do que provavelmente se consideraria de bom tom para um evento como este.

Eu gostaria de considerar que o tema da desigualdade social, como dizem os intelectuais, está démodé. Discursar sobre desigualdade é considerado repetitivo e enfadonho na academia, fora de moda para muitos. Como é possível, eu pergunto, considerar fora de moda o fato de que não apenas nossa sociedade continua desigual, mas a diferença entre abastados e miseráveis aumenta diariamente?

Fora de moda deveriam ser os problemas que não existem mais. Nosso mundo é desigual — que surpresa! — e nós estamos deixando de pensar a respeito disto.

Não há acesso suficiente e com qualidade à escola, à cultura, à segurança, à alimentação nem mesmo à vida. Enquanto um pequeno grupo de pessoas desfruta do melhor que o nosso planeta pode oferecer, bilhões são deixados para trás à margem da festa do consumo. E, pior, o fazem de tal forma que os recursos naturais estão se exaurindo muito mais rapidamente do que sua capacidade de reprodução. Em algumas décadas, a ínfima parcela da humanidade que se acredita merecedora de toda riqueza, terá eliminado qualquer possibilidade de que outras pessoas, desta ou das próximas gerações, sejam capazes de usufruir do mínimo.

No lugar nos ocuparmos com estas questões, a sociedade tem se voltado para outros interesses: como, por exemplo, adquirir mercadorias para tentar garantir, na posse de objetos, um falso bem-estar. O consumo e o individualismo, talvez as características mais representativas do agir-no-mundo contemporâneo, parecem ser a resposta para a cada vez mais presente sensação de impotência diante das problemáticas que nos envolvem. Valores individualistas ligados ao comprar são constantemente inculcados em nosso pensar por meio da mídia, dos filmes hollywoodianos, dos ícones pop.

Celebramos a mediocridade do possuir, ao mesmo tempo em que sepultamos, cada vez mais fundo, alguma capacidade de refletir que ainda nos resta. Afinal, o refletir pode expor o vazio e a infelicidade de uma existência fechada em si mesma e no comprar.

No mundo contemporâneo o principal valor parece ser a necessidade de não pensar, de viver sem olhar para a história, de aproveitar o hoje sem considerar no amanhã. Ao conduzir assim as nossas vidas, não seremos capazes de mudar, pois a mudança depende do conhecimento das estruturas passadas. A mudança é partidária da perspectiva de futuro. E, mais, a mudança é resultado do refletir.

Não é por mero acaso que as pessoas mais entusiasmadas em afirmar não ser necessário pensar, mas comprar, são exatamente aquelas que estão usufruindo sozinhas das riquezas. Uma mudança seria ruim para estes.

As coisas estão erradas. Para muda-las é preciso de um esforço reflexivo e atitudinal cada vez mais raro em nosso dia-a-dia. A quem poderemos outorgar este papel se não a nós mesmos, estes que se sentem incomodados?

Eu não quero depositar sobre vocês um peso maior do que aquele que já suportam. Mas precisamos encarar a verdade de que a responsabilidade pela mudança deverá ser assumida por alguém, pois a maioria está cruzando seus braços ou se concentrando em si mesmos. Faço votos para que este alguém seja o grupo de profissionais que a sociedade escolheu para função de exatamente a levar em direção a seus objetivos maiores. Ou seja, que nós administradores possamos ser algo mais que meros capatazes para controle do trabalho e decidamos começar as transformações reais de que nosso mundo precisa. Que nós sejamos capazes ao menos de pensar.

Nisto, e em tudo mais, eu desejo sucesso!

Obrigado!

PS: Discurso proferido por mim na ocasião da cerimônia de formatura do curso de administração da Unime Lauro de Freitas, realizada em 16 de novembro de 2012, quando foi agraciado com a homenagem de Paraninfo da turma de 2012.


* Esse texto é uma repostagem. Nos idos de 2008, já estudante de graduação no Bacharelado em Ciências Econômicas da UFBA, logo depois de concluir o Bacharelado em Administração na mesma Universidade, eu escrevia um blog com esse título, Administração Crítica. Foram muitos textos elaborados com aquele ímpeto do estudante de graduação, de recém formado, com colocações pouco cuidadosas e até cheias de uma inocência teórica que, com o passar dos anos, foi se diluindo (para o bem e para o mal).

Em 2010 encerrei o blog. Mas, guardo um carinho especial por alguns daqueles escritos, que estão como documentos de minha história pessoal. Em minha opinião, revelam um cuidado teórico pouco refinado (acho que nem tenho ainda), mas já uma vontade enorme de fazer ciência crítica em administração. Por isso faço essa repostagem, como um exemplo de que é possível pensar criticamente na graduação, de que podemos querer mais do que reproduzir os saberes mainstream.

Quis muito revisar e melhorar o texto. Deixei como estava, com seus erros, imprecisões e frases de efeito desnecessárias. Acho que, como um relato de vida, bem como para fazer justiça a alguém que eu talvez já não seja mais, posso dizer que o escrito, quando publicado — mesmo neste tipo de veículo tão efêmero —, deixa de pertencer a nós.


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