Uma semana depois…

Uma semana depois, o domingo começava em misto de esperança pelos quatro anos que vêm, junto com essa nossa preocupação do planejar. Eu sei, administradorxs podem ser as mais anticlimáticas pessoas da terra. No meio da balada, na praia, no cinema, nem vitória da democracia, acesso a primeira divisão ou bóson de Higgs nos fazem abandonar o costume de projetar cenários e programar ações. Assim começava o domingo, entre lâmina de barbear, café da manhã e planos.

Fazia uma semana da maior festa da democracia brasileira (nos últimos tempos).

Lula — sim, eu trato o Presidente do Brasil como se o conhecesse pessoalmente, quem nunca?! —, há exatos sete dias havia proporcionado a passagem de faixa presidencial mais emocionante da história da humanidade. Subiu a rampa do Palácio do Planalto ao lado de representantes do povo. Lá embaixo, um mar de gente testemunhava o (mais um) ato histórico protagonizado por aquele pernambucano, retirante, operário, sindicalista que, desculpem, dispensa apresentações. Era o desfecho triunfal de uma trama que desafiaria os mais criativos dramaturgos.

Lula nasce miserável no Nordeste, se torna operário em São Paulo, líder sindical, funda uma agremiação política, o Partido dos Trabalhadores (PT). Concorre em três eleições presidenciais com insucesso. Enfim, é eleito Presidente do Brasil. Depois de dois mandatos, alguns dos mais exitosos anos da jovem e ameaçada democracia brasileira — entre problemas e desafios, tanto externos como autoinfligidos —, deixa o cargo como o mais bem avaliado chefe do executivo da história. Sua sucessora, Dilma Rousseff, vence duas eleições presidenciais.

No caminho, a Operação Lava Jato.

Tocada por um juiz parcial e carreirista, em conluio com procuradores de moral dúbia (eufemismo, tá?!), a Operação Lava Jato responsabiliza o partido do presidente pelo que acreditam ser o maior esquema de corrupção já visto em terras tupiniquins.

Dilma, injustamente responsabilizada por crime fiscal, é destituída por um congresso conservador (eufemismo… de novo), violentada simbolicamente por uma turba de ignorantes por todo o país, execrada gratuitamente na TV, nas ruas. O Partido dos Trabalhadores é associado ao crime, à incompetência. Não por acaso sofre em duas eleições consecutivas e vê seu pior detrator — em todos os sentidos — se tornar o mandatário. Ele mesmo, Lula, é acusado de corrupção, preso e impedido de concorrer naquelas eleições. Decretam seu fim, o fim do PT, o fim da esquerda, talvez até passível de ser executada à carga de metralhadoras.

Na prisão, sendo encarcerado logo após ter perdido a esposa para um AVC, Lula ainda viu um dos irmãos perder a vida para o câncer, um dos netos falecer de meningite meningocócica; não pôde comparecer ao funeral por ordem judicial. Tudo isso enquanto procuradores, juízes, jornalistas, personalidades, políticos até mesmo o presidente da república, se divertiam e zombavam de seu sofrimento, publicamente e sem pudor.

Mais eis que o improvável acontece, a reviravolta de enredo.

Todo mundo sabe que a plot twist tem que conter um grau de previsibilidade, para massagear o ego do espectador menos obtuso e, assim, angariar simpatia dos assim chamados “formadores de opinião”. Foi o caso. Algo nos dizia que o jogo ia virar e virou. Parece que o roteirista (sádico) da realidade brasileira também se preocupa com os resultados dos grupos focais, afinal.

O então juiz de primeira instância da Lava Jato se exonera do cargo para se tornar Ministro da Justiça do mesmo candidato que, ao decretar a prisão de Lula, ajudou a eleger. Sobrancelhas erguidas!

Depois, descobre-se que a Operação Lava Jato era corrupta, o tal juiz (então já não mais) e procuradores envolvidos são acusados de parcialidade. Todo o processo rui, como um castelo de cartas, o que era de fato. Cenho cerrado!

As decisões contra Lula são anuladas. Os processos são extintos por falta de provas. Sem dever nada à lei, o ex-presidente Lula deixa o cárcere depois de 580 dias. Enamorado, casa-se novamente. Recupera direitos políticos. Mãos (esquerdas) em riste!

Tudo isso, mais uma desastrosa gestão do mandatário de extrema-direita que ascendera ao poder em 2018 — “desastrosa” com um pacote completo de fascismo: corrupção documentada, compra de votos, golpismo, gestão genocida da pandemia de covid-19, conspiração para roubar as eleições […] —, pavimenta o retorno de Lula à política.

Lula vence as eleições presidenciais em 2022. Derrota o opositor recebendo em segundo turno a maior votação individual de toda trajetória eleitoral do Brasil: 60,3 milhões de votos. Um pleito marcado por massivo investimento privado em desinformação (as fake News), uso criminoso da máquina pública pelo então presidente (as letras minúsculas não são um erro tipográfico), tentativas de intimidação e ameaça golpe. Triunfo!

Já falamos da posse, não?!

Uma semana depois, novamente, o domingo começava plácido para mim. Eu havia esquecido o quão sádico é o roteirista de nossa história…

(continua)


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