Longa vida ao Capital e às coisas como elas sempre foram!
Muito tem sido dito nos últimos meses sobre a crise financeira que abala as finanças mundiais. Houve aqueles que escreveram epitáfios definitivos para o capitalismo, assim como os que apontaram o “Tio Sam” como o grande salvador de nossas (?) almas. Mas a verdade é que do meio do choro e ranger de dentes emerge um mundo exatamente como o de antes: pobreza em crescimento, riqueza em concentração e o Estado pronto para assegurar que tudo se mantenha neste ritmo.
Desde seu estopim, a insolvência dos contratos de hipoteca subprime, dezessete bancos quebraram no EUA, bolsas de valores ao redor do mundo registraram quedas que tocaram marcos históricos, e governos se mobilizaram para viabilizar ajudas a instituições financeiras e empresas. Os EUA emplacaram um pacote de gastos da ordem de mais de U$ 700 bi oriundos de dinheiro público, diversos países da Europa injetaram quantias quase tão vultosas no mercado financeiro, e mesmo o governo brasileiro anunciou medidas para salvar os bancos nacionais a despeito de seus recentes (enormes) lucros.
Este momento foi classificado de muitas formas: apocalipse, pior crise econômica desde 1929, fim do capitalismo, crise de confiança. Chegou-se até mesmo a previr que seria um “tsunami nos EUA, mas não [passaria] de uma marola no Brasil”.
A crise está ai, existe, é séria e amplamente entranhada na economia mundial. Mas, de fato, o que mudou?
Provavelmente a principal vítima da crise é o pensamento econômico fundamentalista liberal. As medidas derradeiras de abertura no mercado de capitais do fim da década de 90 acabaram sendo determinantes para a criação de um ambiente propício no qual esta bolha de valorização fictícia pôde se desenvolver e contaminar o mundo inteiro, levando as finanças globais ao caos. Daqui em diante fica estampado no senso comum o que qualquer administrador ou economista sério já sabia há muito: uma única corrente teórica é insuficiente para explicar o fenômeno econômico. Descobriu-se, portanto, que fundamentar políticas baseadas em uma visão limitada da economia cria lucros exorbitantes para alguns, mas a conta acaba sendo paga por todos.
Mas, ao deixar de lado esta informação – inclusive já previamente conhecida e anunciada por muitos economistas –, é possível perceber que o mundo de fato não muda muito.
Percebemos que os capitalistas fazem qualquer coisa para aumentar seus lucros, mesmo operações de risco alto, sem se importar com os efeitos disto para restante da sociedade. Isto já era conhecido desde a praça financeira de Holanda (séc. 17 e 18), então a mais importante da Europa. Não constitui uma informação nova.
Também percebemos que, toda vez que o capitalismo estiver afundando por conta de suas próprias atitudes e escolhas, ele reivindicará do Estado salvação. E mais, a despeito do quanto parece insensato fazê-lo, o Estado vai salvar os capitalistas de seu próprio bicho-papão. Por mais que o Estado tenha mudado, criado instrumentos para que as diversas camadas da sociedade civil tivessem voz, ele ainda é o comitê de negócios das elites. O Estado não pretende promover a ordem e o desenvolvimento social (a não ser que isto sejagood to business), esta instituição existe para garantir os bens dos que já os possuem. E tal informação, meus caros, não é nova, todos nós já sabíamos disto.
Portanto, os capitalistas se envolvem em negócios perigosos para poder lucrar mais não por que não temam o risco, mas por que sabem que o Estado estará lá para salvá-los. Se a seguradora quebra, o Estado garante; se a empresa parece falir, o Estado injeta recursos; se o banco está insolvente, abrem-se linhas de crédito. Se as finanças quebram, o Estado move o mundo para salvar os prejudicados: aquele meio milhar de pessoas cuja própria insensatez e ganância os colocaram em problemas. Nada disto é novo.
Se a economia entrar em recessão, se os EUA deixarem de ser hegemonia e cederem espaço a outro país ou a um grupo de países, isto não é novo, existem muitos precedentes históricos. Se criarmos medidas para controle dos mercados de capitais, as próximas gerações provavelmente serão seduzidas pelos liberais e as extinguirão para que aquele milhar de indivíduos possa lucrar e quebrar a economia novamente. A sedução exercida pela palavra “liberdade” é muito grande, mesmo quando articulada com seu contrário oposto em patente contradição, o “mercado”. Me parece que tudo isso é apenas a continuidade de um ciclo. Se o capital sofrer, o Estado irá salvá-lo. Aqui, nenhuma novidade.
Meus caros, a crise financeira global muda abruptamente o mundo como o conhecemos. Preparemo-nos então para o mais-do-mesmo que vem a seguir, pois provavelmente mudaremos e permaneceremos no mesmo lugar.
* Esse texto é uma repostagem. Nos idos de 2008, já estudante de graduação no Bacharelado em Ciências Econômicas da UFBA, logo depois de concluir o Bacharelado em Administração na mesma Universidade, eu escrevia um blog com esse título, Administração Crítica. Foram muitos textos elaborados com aquele ímpeto do estudante de graduação, de recém formado, com colocações pouco cuidadosas e até cheias de uma inocência teórica que, com o passar dos anos, foi se diluindo (para o bem e para o mal).
Em 2010 encerrei o blog. Mas, guardo um carinho especial por alguns daqueles escritos, que estão como documentos de minha história pessoal. Em minha opinião, revelam um cuidado teórico pouco refinado (acho que nem tenho ainda), mas já uma vontade enorme de fazer ciência crítica em administração. Por isso faço essa repostagem, como um exemplo de que é possível pensar criticamente na graduação, de que podemos querer mais do que reproduzir os saberes mainstream.
Quis muito revisar e melhorar o texto. Deixei como estava, com seus erros, imprecisões e frases de efeito desnecessárias. Acho que, como um relato de vida, bem como para fazer justiça a alguém que eu talvez já não seja mais, posso dizer que o escrito, quando publicado — mesmo neste tipo de veículo tão efêmero —, deixa de pertencer a nós.
Ps: esse texto em particular é do dia 21 de novembro de 2008, no auge da crise que diziam que mudaria para sempre o capitalismo.
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