A administração enquanto ciência e enquanto prática se encontra numa crise silenciosa que pode solapar suas estruturas e jogá-la no limbo do supérfluo e do superficial.
O primeiro problema é de ordem acadêmica. De um lado existe a pesquisa de base, na qual é importante para o pesquisador observar os meandros políticos do modo de produção, o embate de classes, as formas através das quais estas classes propõem gerir o aparato social, entre outros fatores; do outro há a pesquisa de técnica, na qual os profissionais da gestão se preocupam com fluxos de caixa, opções de investimento, padronização de processos, etc. — ou seja, com as demandas da empresa. Obviamente, a maioria das pesquisas hoje se debruça sobre estes problemas práticos, pois geram resultados em termos de lucratividade para as organizações capitalistas, suas principais clientes; mas contribuem apenas marginalmente para a ciência por gerar um conhecimento parcial e localizado. Já a pesquisa de base, que dá status de ciência a administração, vem sendo desenvolvida marginalmente exatamente por não se verter em soluções práticas imediatas.
Há também um problema de alocação de recursos intelectuais e humanos. Profissionais cuja qualidade cognitiva e crítica poderiam ser orientadas para a pesquisa mais densa, escapam para o mercado de trabalho ou para as pesquisas de soluções imediatas em busca de salários polpudos, deixando uma enorme lacuna de competência. Obviamente que os atuais pesquisadores são muito bons, mas são poucos em relação à torrente de indivíduos que se preocupam exclusivamente com a empresa. E ainda é preciso lembrar que os bacharelados em administração, sobretudo os tidos como melhores, são basicamente cursos técnicos: treinam os jovens nas tecnologias gerenciais e nos modelos matemáticos, e em como aplicá-las na empresa, mas não os ensinam a construir conhecimento duradouro.
Além deste claro processo de esvaziamento da pesquisa estrutural em favorecimento da técnica, o atual modelo de organização funcional e acadêmico tem privilegiado o lucro sem se preocupar com a coletividade — ou, no máximo, tomando como pressuposto de bem-estar o consumismo. Graças à economia neoclássica, que mede bem-estar através de uma curva de possibilidades de consumo e define que o indivíduo é tanto mais realizado quanto mais bens este adquire, acredita-se que basta produzir mais e vender mais para contribuir com a sociedade. Ledo engano, a verdade é que o aspecto econômico/consumista responde apenas por uma parte ínfima de estrutura de realização pessoal do indivíduo — fazendo uma analogia com a já defasada pirâmide de Maslow, este modelo de bem-estar cobre apenas as necessidades fisiológicas e de segurança, deixando de lado todo o complexo psicológico que é o homem.
O modelo dominante da ciência da gestão parece, portanto, asfixiado pelo imperativo da empresa e pelo lucro, usando como desculpa a noção do bem-estar consumista e se fechando numa visão míope do mundo. No entanto, endossado por uma estrutura que contabiliza a qualidade da ciência através de indicadores numéricos de produção, entende-se como pujante e crescente. Esta contradição parece não encontrar atenção e se alastra maliciosamente como um câncer, podendo tornar tanto a prática quando a ciência algo que serve apenas a interesses transitórios, que não se aprofunda em nada, e que perde enfim a razão de existir.
* Esse texto é uma repostagem. Nos idos de 2008, já estudante de graduação no Bacharelado em Ciências Econômicas da UFBA, logo depois de concluir o Bacharelado em Administração na mesma Universidade, eu escrevia um blog com esse título, Administração Crítica. Foram muitos textos elaborados com aquele ímpeto do estudante de graduação, de recém formado, com colocações pouco cuidadosas e até cheias de uma inocência teórica que, com o passar dos anos, foi se diluindo (para o bem e para o mal).
Em 2010 encerrei o blog. Mas, guardo um carinho especial por alguns daqueles escritos, que estão como documentos de minha história pessoal. Em minha opinião, revelam um cuidado teórico pouco refinado (acho que nem tenho ainda), mas já uma vontade enorme de fazer ciência crítica em administração. Por isso faço essa repostagem, como um exemplo de que é possível pensar criticamente na graduação, de que podemos querer mais do que reproduzir os saberes mainstream.
Quis muito revisar e melhorar o texto. Deixei como estava, com seus erros, imprecisões e frases de efeito desnecessárias. Acho que, como um relato de vida, bem como para fazer justiça a alguém que eu talvez já não seja mais, posso dizer que o escrito, quando publicado — mesmo neste tipo de veículo tão efêmero —, deixa de pertencer a nós.
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