Desenvolvimento como Opressão

Algo que pode ser dado como certo é que a dinâmica econômica das sociedades contemporâneas perpassa os conflitos étnico-raciais, de modo que os racismos diário, direto, institucional e estrutural são determinantes para a compreensão das convenções capitalistas. Assim sendo, o desenvolvimento econômico num país como o Brasil não pode ser compreendido sem que se leve em consideração a questões tocantes à integração da comunidades marginalizadas como a negra, a nativa americana, entre outras.

Nesse debate, porém, uma consideração normalmente é pouco explorada. Na medida em que se parte de uma noção de desenvolvimento como algo a priori insuspeito e desejável, se permitindo discutir as suas correlações e causalidades — como a questão racial, a liberdade, as políticas afirmativas, as garantias institucionais historicamente arraigadas nas convenções coletivas de comportamento econômico, e assim sucessivamente —, deixa-se de refletir acerca de qual é, de fato, a natureza do processo de desenvolvimento. E, talvez, a chave da questão para a compreensão da própria possibilidade de integração das parcelas marginalizadas da população se encontre exatamente nesse âmbito ontológico. Vejamos.

Na medida em que o modo de produção capitalista é eivado por contradições — pois (1) depende de compradores para realização do valor, mas busca reduzir a participação do trabalho na produção, (2) necessita de fina coordenação de decisões intersetoriais para evitar desajustes produtivos, mas descentraliza decisões confiando na competição e no conflito como dinâmicas alocativas, entre outras —, sua atividade continuamente engendra crises de oferta, demanda, confiança e institucionais. Incapaz de solucionar definitivamente as causas das crises, haja vista o fato de que a única solução é o desmantelamento das formas capitalistas de produção e realização de valor, o sociometabolismo do capital contorna os efeitos imediatos da iminente crise por meio da expansão.

A expansão capitalista toma duas formas mais gerais. A prospecção de novos mercados, formando novos consumidores para produtos e serviços existentes, que de um lado está associada aos processos de concentração e centralização de capital, bem como de internacionalização. E a criação de novos produtos e serviços, por meio da incorporação de novas instâncias de relações sociais para dentro da lógica da mercadoria, assim, subordinando cada vez mais aspectos da sociabilidade à usura, o que está na base da dinâmica de diferenciação e diversificação de negócios de formas capitalistas de manifestação.

Essa é a verdadeira natureza do desenvolvimento. Na medida em que se expande objetiva e subjetivamente, abrindo novos mercados e transformando diferentes relações sociais para que passem a ser mediadas por produtos disponíveis para venda, o capital molda o mundo, as culturas, as instituições políticas, à sua imagem e semelhança, imprimindo ali sua lógica e valores. Em outras palavras, moderniza, desenvolve, assimila, transforma e devolve o que foi assimilado como mercadoria. Não é por acaso que essa também é a história da dominação das instituições capitalistas sobre o mundo, do ocidente sobre o oriente e das assim chamadas raças brancas sobre as demais etnias mundo afora.

Se o desenvolvimento é a forma aparente da dinâmica capitalista; e se o capitalismo é a estratégia de dominação do homem branco ocidental sobre as demais culturas, negras, nativo americanas e asiáticas; o desenvolvimento econômico e social não é nada além de mais uma forma de opressão, a face aparente de um esquema de jugo, dominação e exploração. Perseguir o desenvolvimento, busca-lo segundo a rationale capitalista, tentar criar projetos para integrar comunidades marginalizadas ao circuito do capital, é o mesmo que mercantilizar as raízes históricas dos povos não brancos, torna-las mercadorias e as devolver como farsa, como práticas fetichizadas e como simulacros de representação.

Quando se percebe que o desenvolvimento é uma forma de opressão, quando se entende que desenvolver um povo é o mesmo que subordiná-lo à lógica do capital, compreende-se também que sua perseguição segundo a concepção de modernização pode ser um equívoco. Não é o caso de se adotar uma postura ludista, irracionalista, que nega o avanço das forças produtivas e da progressão social, mas de compreender que a forma capitalista de desenvolver — por meio da exploração do trabalho e da opressão dos povos não-brancos — tem um teto civilizatório que precisa ser ultrapassado.

Como? Por meio de que processos sociais? Como integrar a dinâmica da inovação tecnológica à urgência de uma prática distributiva mais equânime? Estas são questões em aberto, de difícil solução. Mas, ignorá-las significa se contentar com os resultados insuficientes do modo de produção capitalista: (i) hiper-concentração de renda; (ii) destruição do meio ambiente natural; (iii) exclusão e marginalização de extensas parcelas da humanidade; (iv) racismo e machismo institucionalizados; (v) extrema pauperização, e muito mais. Ou seja, se não se pretende viver a vida dos cínicos e indiferentes, aquelas são questões incontornáveis.

Urge, portanto, que as comunidades não-brancas, marginalizadas, sob o jugo capitalista, procurem algo diferente, que expressem suas aspirações progressistas e suas demandas por mudança com uma estratégia e um léxico, com práticas coletivas anti-sistêmicas. Isto, pois, se o objetivo do desenvolvimento como o conhecemos for alcançado, junto virá a continuidade da opressão do homem branco ocidental.


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