Fui questionado, num desses muitos cursos de capacitação por aí, qual seria minha opinião sobre “os caminhos possíveis para as universidades nesta sociedade tecnológica?” e ainda “que práticas/modelos/processos [de ensino e aprendizagem] precisam permanecer e quais são as novas possibilidades?” Para mim, essas são indagações muito interessantes e, por isso, resolvi divulgar aqui minha resposta.
A primeira questão aqui, penso, é compreender bem os termos da provocação. As “sociedades” são “tecnológicas” desde sempre, na medida que a sociabilidade é resultado de um aparato não natural de articulação entre os trabalhos e os modos de vida de pessoas e grupos.
Com o avanço das tecnologias para economia do trabalho, que culminaram no que Castells chama de “sociedade em rede” ou “sociedade da informação”, sugere-se que a informação se torna o elemento central da produção capitalista de valor, no lugar do trabalho. Essa suposição é apressada em dois sentidos. Primeiro, a informação sempre esteve no cerne dos processos de socialização e trabalho; a emergência das tecnologias digitais para armazenamento, processamento e transmissão de informação subsidia economias de escala dantes inimagináveis, mas não altera o aspecto essencial de que a informação é insumo (estático) e não processo (dinâmico). Segundo, porque a informação é, por si só, produzida por trabalho, tanto diretamente, como indiretamente por meio da máquina; enquanto as tecnologias de inteligência artificial não assumirem autonomamente o processo produtivo de informação, isto é, não passarem a se auto programar e desenhar outros sistemas de inteligência artificial (isto é, SE isso um dia acontecer, o que os futuristas chamam de “singularidade tecnológica”), o trabalho humano se manterá como elemento central da produção de valor.
Universidades podem ser pensadas como sistemas informacionais. São repositórios de conhecimentos e de tecnologias de produção de conhecimentos, com o papel histórico de legar tais saberes para as gerações futuras. Trata-se de uma instituição centralizadora que, pode-se imaginar, estaria fadada ao desuso dada a tendência reticular (alegadamente tendendo à descentralidade) da tal “sociedade de informação”.
Mas, em verdade, a tal “sociedade da informação” de que tanto nos falam é igualmente ancorada em instituições centralizadoras. A estruturas de fluxo de dados são mantidas por grandes conglomerados transnacionais num arranjo concentrado (oligopólios), o acesso é mediado por servidores igualmente concentrados em poucas firmas de enorme escopo, mesmo as estruturas de mediação de relações humanas no mundo digital, as assim chamadas redes sociais, são controladas por um número reduzido empresas num mercado concentrado (Facebook, Google, Vkontact, Wechat etc.). O aspecto reticular da “sociedade da informação” é uma ilusão decorrente de uma observação superficial (muito mais um ideal utópico que um dado de realidade), uma vez que a estrutura de sustentação dessa pretensa reticularidade é concentrada e centralizada de forma capitalista.
Assim, se a estrutura social centralizada pouco se altera com a emersão da informática — numa troca de atores, do Estado grande para a grande Empresa (sem que o Estado deixe de ser grande, diga-se de passagem) —, as mudanças no campo educação tampouco são estruturais, até então se mostrando igualmente circunscritas ao nível das aparências e das técnicas. A relação ainda se estabelece em termos de repositório/transmissão de informações (cada vez menos) e técnicas de produção de informação (cada vez mais).
Talvez, nesse último aspecto, se encontre o desafio da Universidade daqui em diante. Uma vez que o dado bruto, em si, se torna cada vez mais democraticamente disponível (inclusive o dado pessoal que alimenta modelos comportamentais em grande escala, “democraticamente” minerado por grandes corporações), é preciso então formar pessoas não mais como profissionais que sabem um conjunto de informações, mas sim capazes de prospectar, analisar e aplicar novas informações. Ao invés de uma atitude passiva em relação ao saber, voltados a um conhecimento que existe, a Universidade é desafiada a formar indivíduos ativos, dedicados ao saber que pode existir, ao conhecimento que não está disponível ainda. E nesse sentido volta-se à Paulo Freire, este sim um visionário, para quem mais importante que ensinar algo, era ensinar a aprender algo. Em suma, na minha humilde opinião, “aprender a aprender” é velho desafio que se faz novo a cada dia.
Dizer diretamente o que deve permanecer e o que deve sumir, em termos de prática educacional, é fútil. Até porque a incerteza do futuro, da exaustão dos recursos naturais e mesmo do próprio desenvolvimento tecnológico (a singularidade da IA, inclusive, é apontada como uma das ameaças à humanidade), não permite vaticinar que práticas sociais serão mais ou menos presentes no futuro. Se a sala de aula será superada pelo ambiente virtual, ou pela extinção das formas modernas de sociabilidade junto com o gênero humano, é uma incógnita. O desafio que permanecerá, na minha opinião, é o mesmo: como fazer com que as pessoas assumam ativamente o protagonismo em seus processos de aprendizagem?
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