A Reforma Administrativa

A discussão sobre a reforma administrativa do Estado no Brasil tem sido feita de forma equivocada, para esconder das pessoas o real motivo do projeto. Não se trata de uma cruzada pela eficiência do Governo, o que seria louvável. Na verdade, o objetivo da reforma é privatizar o fundo público de recursos, permitindo que empresários e capitalistas rentistas se apropriem da poupança coletiva que é construída nas costas dos trabalhadores do país.

O Estado coleta um montante enorme de impostos, que forma uma poupança coletiva. Essa poupança é o que chamamos de “fundo público de recursos”. E se trata disso mesmo, de um fundo, de uma aplicação de investimento, que é feita sob a tutela do Estado. Esse fundo é composto de recursos financeiros, de todo dinheiro que é coletado anualmente pela receita Federal, pelos estados e municípios.

Também faz parte do fundo público o estoque de capital sob controle do Estado (como rodovias, edifícios, equipamentos, laboratórios, estruturas de saneamento básico), os bens mantidos pelo Estado em estoque emergencial (grãos, alimentos, combustível etc.) e ainda a força de trabalho de seus muitos servidores, altamente especializados e muito competentes, que se encontram concursados para as mais diversas funções.

Esse montante é juntado por meio da cobrança de tributos e sua aplicação em investimentos públicos do, ou orientados pelo, Governo. Cada novo servidor concursado é um investimento em capital intelectual e potencial produtivo. Cada bolsa de capacitação, edital de pesquisa, nova Universidade, aumenta o estoque de conhecimento e tecnologia da sociedade. Cada obra pública (hidrovias, pontes, prédios de escritórios, asfalto e até monumentos) são investimentos em capital fixo. E a manutenção desses investimentos, com limpeza, reparos, reformas e atualização, é a preservação desse capital.

O Estado, na verdade, não tem “gastos”. Quando usa recursos, o dinheiro não desaparece ou vira purpurina. Cada cédula de dinheiro empregada pelo Governo é um tipo de investimento com clara importância coletiva. É preciso descontruir essa falácia de que a atuação do Governo incorre em gastos públicos. Na verdade, todo valor empregado pelo Estado retorna para a sociedade, em termos de serviços, renda, salários, investimentos ou bens públicos. Mesmo o consumo de bens pelo Estado, como em alimentos por exemplo, tem um efeito multiplicador de renda na economia.

Como se constrói o “fundo público de recursos”? Em sua maior parte, coletando imposto de renda de trabalhadores ou cobrando tributos sobre o consumo. E o imposto sobre o consumo atinge sobretudo e de forma desproporcional também os trabalhadores, porque são muito mais pessoas e, portanto, suas compras representam um volume maior que o de outros grupos sociais ou mesmo que a soma das atividades empresariais. Mesmo os impostos cobrados das empresas são, na verdade, pagos por trabalhadores, pois que são repassados nos preços dos bens e serviços prestados.

Existe uma falácia de que é a classe alta quem sustenta o país. Mas essa ideia não passa disso, de uma falácia. Os trabalhadores não apenas produzem toda a riqueza (afinal, trabalho é isso, produção de riqueza; não existe nada que não foi feito, coletado ou cultivado por trabalho; seja diretamente ou indiretamente, com o uso de máquinas que são projetadas e montadas com trabalho), como também sustentam o Estado sacrificando a maior parte de seus salários em impostos.

A disputa política em torno da “eficiência” do Estado é uma competição para quem tem acesso aos recursos do fundo público. O Estado representa uma quantidade enorme de dinheiro, capital e recursos humanos. Idealmente, esse fundo deveria ser empregado para alcançar benefícios coletivos, como serviços públicos de qualidade, ciência e tecnologia, controle e repressão sobre as atividades empresariais criminosas (tráfico de drogas, violência, desmatamento, escravidão, assédio moral, corrupção, bens e serviços ruins ou enganosos etc.).

Porém, os empresários simplesmente têm “ciúmes” de que esse dinheiro vá pra qualquer pessoa que não sejam eles mesmos. Por isso, financiam todo um rol de políticos, lobistas e “cientistas” para (1) constantemente criticar e denegrir a imagem do Estado e de servidores públicos, ao mesmo tempo em que (2) propõem leis e regras para limitar a capacidade de atuação do Estado e, assim, reservar o fundo público para o acúmulo privado de riquezas.

E como se apropriam desses recursos? São muitos os mecanismos. O mais evidente é por meio do serviço da dívida. Na medida em que o Estado vai reduzindo impostos sobre os ricos e sobre as empresas, faltam recursos para investimento, obrigando os Governo a tomar empréstimos junto aos bancos. Essa dívida crescente é paga com juros, que transfere recursos dos trabalhadores para os empresários. Por isso capitalistas querem redução de impostos para ricos e para empresas, pois não apenas deixam de dar para o coletivo, como passam a emprestar para o Estado aquele mesmo recurso que seria tributado, porém garantindo sua posse e ainda recebendo juros.

Além disso, o Estado contrata empresas de terceirização, oferece subsídios para diversas atividades econômicas, facilita empréstimos — como por exemplo o sistema de financiamento rural que cobra juros negativos (menores que a inflação) —, garante a lucratividade de investimentos, realiza obras de infraestrutura que viabiliza setores produtivos, entre outras formas de transferência de recursos públicos.

Isso tudo, além de manter um aparato de serviços destinados a atender os interesses empresariais. A diplomacia se especializa em prospectar novos mercados e acordos comerciais para aumentar exportações e baratear importações. O judiciário garante a propriedade e os contratos civis que protegem interesses empresariais. O aparato de segurança combate as tentativas dos pobres de redistribuir a riqueza acumulada pelos capitalistas. Enfim, há toda uma estrutura de proteções para o capital.

Ao obrigar o Governo a economizar com servidores e com programas sociais, não se pretende um Estado mínimo. Procura-se, na verdade, reservar todo esse volume de recursos para o usufruto privado dos interesses empresariais e dos especuladores financeiros. O Estado continuará grande, mas em favor de poucos. A discussão da reforma administrativa esconde a disputa pelo fundo público de recursos entre as diversas parcelas da sociedade brasileira, da qual os trabalhadores, os principais afetados negativamente, se encontram alijados.


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