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Bernard-Henri Lévy, BHL para íntimos e detratores, é um articulista francês de origem argelina, pertencente à comunidade judaica e autoproclamado sionista, que também se aventurou no cinema e na escrita filosófica. A longa lista de livros publicados por BHL, somada à ressonância que suas opiniões alcançam na grande mídia internacional, pode induzir os desavisados a acreditar que se trata de um pensador, uma liderança intelectual — um filósofo, até. É com esse apelo à autoridade que o jornal Folha de São Paulo, em 27 de outubro de 2025, recorreu a BHL para dar sequência à sua cruzada contra o presidente Lula.
O título da chamada publicada nos estertores daquela segunda-feira — vale lembrar, após vitórias diplomáticas de Lula em reunião com Trump, sua aproximação com a ASEAN, a Associação das Nações do Sudeste Asiático, às vésperas da divulgação de novos índices positivos de popularidade do governo — não poderia ser mais absurdo: “Lula se engana ou mente ao acusar Israel de genocídio, diz à Folha o filósofo francês Bernard-Henri Lévy.”
Na entrevista, BHL isenta o Estado israelense de responsabilidade pela matança da população palestina, insiste em chamar o massacre de “guerra”, exalta a interferência de Trump em nome de uma paz autoritária, elogia Netanyahu como estadista e critica Lula, especificamente, por dizer o óbvio: que a ação de Israel constitui um genocídio. Curiosamente, quando a Folha lhe oferece espaço para criticar Jean-Luc Mélenchon — líder da extrema-direita francesa e antissemita declarado —, BHL tergiversa e volta seu canhão retórico contra as manifestações estudantis nos EUA que denunciam o genocídio.
Na França, Bernard-Henri Lévy está longe de desfrutar da deferência que a Folha de S. Paulo lhe concede. O termo que intelectuais franceses sérios preferem empregar para classificá-lo é “impostor intelectual” (Beau & Toscer, 2006). A verdade é que BHL já atuou como CEO de uma companhia dedicada à expropriação de recursos naturais na África, mantém laços com o mercado financeiro e, apesar de posar como representante de uma centro-esquerda vacilante, produziu obras de viés teocrático, colonialista e irracionalista.
O cerne da entrevista concedida à Folha foi negar o genocídio perpetrado por Israel na Faixa de Gaza. BHL não apresenta raciocínio coerente, dados ou qualquer novidade interpretativa para sustentar seu posicionamento. Apenas afirma que “não é genocídio”. Supostamente, a força de suas palavras residiria na falácia que segue: se não é genocídio, quem o denuncia ou está mal-informado ou mente deliberadamente. Para o delírio da Folha de S. Paulo, é assim que Bernard-Henri Lévy se refere ao presidente do Brasil.
Façamos uma pausa para esclarecimento.
O que Israel chama de “guerra” contra o Hamas é, na verdade, uma ação militar de invasão contra a população civil. Partindo da premissa de que o grupo extremista palestino se refugiaria entre os civis, o exército israelense adotou como tática a destruição de áreas residenciais, da infraestrutura de água, energia e telecomunicações. Hospitais, asilos, escolas e sedes de organizações não governamentais foram igualmente bombardeados. Há indícios de que as tropas receberam ordens para não distinguir combatentes de civis. O comércio foi paralisado e a circulação de ajuda humanitária, bloqueada por meses, resultando em desabastecimento de água e alimentos.
Não por acaso, quase 70% dos mortos do lado palestino na Faixa de Gaza são mulheres e crianças — sem contar as vítimas da fome, das doenças e das condições desumanas impostas pela destruição das estruturas básicas de sobrevivência. A alta cúpula do Estado de Irael declarou inumeras vezes, publicamente, que seu objetivo era o de eliminar completamente o Hamas; lembrando, consideram o Hamas e o povo palestino como indiscerníveis. É preciso dizer com clareza: esses são métodos de apagamento geracional, destinados a interromper a reprodução social de uma comunidade com identidade étnica específica. Isso configura genocídio. Não há dúvidas.
Voltemos…
“Nossa” FSB deu voz, manchete e destaque a um negacionista do genocídio. A alguém que, em seu próprio país, é considerado um impostor intelectual — conhecido por argumentos falaciosos, posições ambíguas e vínculos constrangedores, para dizer o mínimo. Só se pode supor a razão: havia ali a oportunidade de publicar algo negativo contra Lula em uma semana de notícias favoráveis ao governo. No afã de atacar o político que não toleram — ou melhor, que detestam a ponto de qualquer coisa —, a Folha abraçou o pior da espécie.
Não é a primeira vez que o jornal chafurda na lama da história. A Folha apoiou o golpe de 1964. Apoiou a ditadura empresarial-militar que se seguiu. Em 1989, alardeou a declaração de Mário Amato, então presidente da Fiesp, segundo a qual “800 mil empresários deixariam o país caso Lula vencesse as eleições”. Posicionou-se a favor das candidaturas de direita de FHC, José Serra, Alckmin e Aécio Neves. Deu ampla cobertura — e participou com entusiasmo — do espetáculo midiático em torno da Ação Penal 470 (o chamado Mensalão), da Operação Lava Jato e da prisão irregular de Lula. E não fez cara feia para Bolsonaro, ao menos até que o então presidente começasse a matar gente durante a pandemia de Covid-19.
Uma coisa, porém, não se pode negar: a consistência do jornalão paulista. Volta e meia, revolve-se na própria sujeira. Pelo visto, já começou o “vale-tudo” para promover o fascista da vez nas eleições de 2026.
Iniciemos as apostas: quando virá o próximo mea culpa da Folha?
Referências
Beau, Nicolas; Toscer, Olivier (2006). Une imposture française. Paris: Les Arènes.
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