Crítica da Lei de Responsabilidade Fiscal

Faça o download do arquivo em PDF desse texto Aqui

A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), promulgada no ano 2000 com o objetivo de estabelecer limites para os dispêndios realizados pelo Estado, entre outras providências orçamentárias (Lei Complementar nº 101/2000), vem sofrendo diversas críticas ao longo dos anos. Dentre as muitas contestações — de ordem constitucional, administrativa, social etc. — subsiste a pressuposição de que as limitações de despesa de pessoal que institui (cf. Art. 19) são capazes de proporcionar pretensos benefícios econômicos que justificariam a sua vigência, notadamente no que tange a questões de eficiência de gestão. Nesse breve escrito, se pretende estabelecer um argumento contrário a esse entendimento.

No art. 19 da LRF firmam-se os limites de despesas com pessoal para União (50% das receitas), Estados e Municípios (60% das receitas). Esses limites tem que ser observados por mandatários, sob pena processo por improbidade administrativa.

A primeira questão a ser levantada diz respeito a como se chegou à essas grandezas fiscais. Não se observa justificativa para os limites percentuais, quer apoiados em literatura econômica (Auerbach et al, 2013), quer no texto introdutório que acompanhou a PLC nº 18 de 1999, a qual posteriormente se converteria na LRF, muito menos no que concerne a racionalidade instrumental de gestão. A partir de uma premissa administrativa básica, de que a gestão pressupõe a capacidade adaptativa das estruturas organizacionais inseridas em contextos dinâmicos, pode-se dizer que o estabelecimento de um limite fixo ex ante facto constrange a capacidade de resposta, concorrendo para a ineficácia de tomada de decisão administrativa. Em outras palavras, tratam-se de limites arbitrários e irracionais.

Em segundo lugar, é preciso considerar a natureza do serviço público em si. De um ponto de vista econômico, o Estado em seus diversos órgãos, autarquias, empresas, presta à nação um rol de serviços (de segurança, saúde e educação; de manutenção da segurança jurídica de contratos; de investimento e manutenção de infraestruturas urbanas, produtivas, rodoviárias, e assim por diante). Pois bem, materialmente falando, as atividades de serviços (setor 3 da economia) — diferentemente do agroextrativismo (setor 1 da economia) ou da indústria de transformação (setor 2 da economia) — normalmente são intensivas em trabalho (Giambiagi, 2011). Ou seja, demandam um percentual maior de trabalho em relação a quantidade capital e recursos naturais para serem efetivados. Ao estabelecer esses limites, a LRF constrange a capacidade de prestação de serviços sem considerar objetivamente a intensidade de trabalho necessária para a continuidade eficaz das estruturas de Estado.

Ainda dentro dessa reflexão acerca da natureza do serviço público, é lícito considerar os conceitos de eficiência e eficácia de gestão. A discussão sobre a implementação de princípios gerencialistas na administração pública brasileira, no esteio da introdução da assim chamada Nova Administração Pública (NAP) no Brasil a partir da reforma de 1995, quase sempre gira em torno da justificativa de promoção da eficiência. No entanto, o que se observa é que, em nome de eficiência e austeridade fiscal, operam-se contingenciamentos de recursos, desvinculações de receitas, pobre manutenção de bens de capital invertidos pelo Estado, de modo a colocar em risco, em muitos casos, sua capacidade de prestar serviços.

Ora, a noção de “eficiência” é um conceito relativo que pressupõe o alcance pleno das metas e objetivos (“eficácia”), desde que por meio do menor emprego possível de recursos (Sobral; Peci, 2008). Na hipótese de que qualquer serviço público tenha seus objetivos colocados em risco, ou abandonados, em nome de uma mera redução despesas para atender os limites firmados na LRF, não se atinge a eficácia e, portanto, tampouco se pode chegar em eficiência. Dito de outra forma, na expectativa de proporcionar maior eficiência do Estado por meio do constrangimento das despesas, sacrifica-se a eficácia de suas ações.

Em suma, os pretensos benefícios econômicos desse dispositivo da Lei de Responsabilidade Fiscal podem não ser verificados objetivamente. Isto porque, de um lado, (i) aqueles limites de gastos por percentual do orçamento parecem ter sido estabelecidos de forma arbitrária, pouco flexível e burocrática; segundo, (ii) não se parece considerar (talvez sequer compreender) a intensividade mínima de emprego de trabalho para que os serviços públicos sejam mantidos à contento do interesse da população; e, por fim, mas não menos importante, (iii) não se observa que o princípio da “eficácia” necessariamente se sobrepõe ao da “eficiência”, ou dito de outra forma, na medida em que a qualidade do serviço é colocada em risco em nome de economia, não se atinge “eficiência”, mas “incompetência” fiscal.

Referências

Auerbach, A. J. et al (2013). Handbook of Public Economics (5 v.). Amsterdam, The Netherlands: Elsevier.

BRASIL. Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000. Lei de Responsabilidade Fiscal. Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 maio 2000. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm

Giambiagi, F. Villela, A., Castro, L. B. de & Hermann, J. (2011). Economia Brasileira Contemporânea (1945-2010). Rio de Janeiro: Elsevier.

Sobral, F. & Peci, A. (2008). Administração: Teoria e Prática no Contexto Brasileiro. São Paulo: Pearson Prentice Hall.


Descubra mais sobre Administração Crítica

Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.

Os comentários estão encerrados.

Site criado com WordPress.com.

Acima ↑