Os limites e as oportunidades da educação a distância*

Os muitos entusiastas da educação a distância (EaD) — grupo que reúne desde apaixonados educadores realmente preocupados com as condições de estudo nos rincões afastados do país, mas também empresários oportunistas ávidos por uma forma de fazer dinheiro com o mínimo possível de custos — não hesitam em afirmar que O futuro da educação passa pelas metodologias não-presenciais. Não apenas no Brasil, mas no mundo, as pretensamente óbvias vantagens da EaD tornariam essa modalidade competitivamente mais atrativa que o assim chamado ensino tradicional, presencial e associado à duas instituições seculares, a escola e o professor. Mas, será mesmo o caso de uma revolução?

Comecemos do princípio. A educação a distância (EaD) surge no século XIX primeiro na Europa, chega no Brasil na década de 1920 e desde então vem se desenvolvendo a adaptando às novas tecnologias de comunicação e informação. Em termos simples, trata-se de um processo de ensino e aprendizagem em que o estudante se encontra distante do professor, no espaço e muitas vezes no tempo. As metodologias, bem com as tecnologias, podem variar, mas o princípio fundamental é o distanciamento. A EaD é normalmente apresentada como uma quebra paradigmática com o que se convencionou chamar de “ensino tradicional” — um termo com claras características pejorativas —, já que rompe com a necessidade da presenta de quem estuda na instituição escola.

No Brasil, nos últimos anos tem se observado um verdadeiro boom de programas e cursos à distância, sejam públicos ou privados. Mantida pelo governo federal como forma de centralizar os esforços das muitas instituições federais de ensino superior (IFES), a Universidade Aberta do Brasil (UAB) divulga a oferta de bacharelados, licenciaturas, extensões, pós-graduações. Paralelamente, a educação privada abraçou com alegria a modalidade, oferecendo cursos 100% online nos mais variados níveis. A pandemia global de Covid-19 que chegou em 2020 (e parece não ter data de partida) intensificou tanto a procura, como a oferta de tais cursos, na medida em que forçou instituições educacionais em todo o país a adaptar seus processos aos imperativos do distanciamento social.

Mas, é mesmo possível afirmar que a EaD representa o futuro? Até que ponto, de fato, isso é verdade?

Em um trabalho apologético, Quintana (2014) sugere que a EaD precisa se constituir a partir de uma abordagem pós-industrial, de modo a refletir o que entende por novas organizações pautadas pela flexibilidade, personalismo e competitividade em um cenário globalizado. Porém, interessantemente o modelo que apresenta como alternativa de design educacional parece inspirado no PDCA de William Demming, um marco do industrialismo fordista que erroneamente é associado ao pós-industrialismo por sua penetração no imaginário gerencial japonês da gestão pela qualidade total.

Já Filatro (2009) sugere que as abordagens pedagógicas da EaD estão entre as mais modernas — associacionista, cognitiva e situada —, assim como sua incorporação não é meramente cumulativa, mas sobretudo transversal. No entanto, as perspectivas listadas pela autora supõem em verdade uma atenção dedicada ao estudante, por parte do prospector, de modo a perceber, interagir com e valorizar as especificidades do desenvolvimento cognitivo e do contexto sócio histórico de quem aprende. Essa é uma expectativa que contraria, necessariamente, o distanciamento da EaD que, lembremos, não é apenas físico, mas muitas vezes temporal.

Colocando essas perspectivas em diálogo, ainda mais dentro do contexto do que se observa nas modalidades EaD que se multiplicaram nos últimos anos, percebe-se muito mais uma tendência à hiper-padronização do ensino em escala mais-que-industrial. Por exemplo, plataformas como Veduca, Undemy, Coursera são repositórios de Massive Open Online Courses (MOOCs), cursos sem tutoria, oferecidos para milhares de pessoas de diversos países do mundo, a partir da perspectiva de alguns atores institucionais, normalmente universidades consideradas de elite. Não há espaço para contraditório, não há diálogo (quiçá dialógica), não se observa o estudante. É a plena realização de uma educação padronizada mundialmente e totalmente industrial, onde o professor é substituído pela sua própria hiper-imagem gravada, um não-professor capturado meramente como discurso morto.

Essas condições se multiplicam nas pós-graduações privadas 100% online de diversas empresas-escola brasileiras, nos cursinhos para concursos de franquias famosas, até mesmo nos MOOCs gratuitos das IFES. Talvez a modalidade que melhor atenue essa problemática é aquele implementada no sistema UAB, no qual a EaD é relativizada pela obrigatoriedade de presença em atividades de avaliação, bem como a existência de tutores gerais e locais para estabelecer algum nível de vínculo humano com os estudantes e, quem sabe, talvez uma instância dialógica entre o conteúdo, o professor e o aluno.

Obviamente essa modalidade custosa e semi-presencial não é o que desejam as empresas-escola, que vêem na EaD uma oportunidade de escola sem professor, sem custos variáveis. Mesmo assim, o caminho para Brasil parece apontar para o interesse do capital, que pretende não educar, mas acumular riqueza. As formas de ensino a distância particulares avançam enquanto os governos neoliberais se empenham em (novamente) sucatear as instituições públicas, últimos bastiões de defesa de uma educação de qualidade. Enquanto cursos se multiplicam nos mais diversos níveis, o Brasil caminha para a universalização da educação em um patamar de baixíssima qualidade, totalmente padronizada e industrial.

A assim chamada revolução das metodologias educacionais, “ativas”, “cognitivas”, “associativas” etc. simplesmente não é possível no contexto da EaD, por princípio conceitual. A maior proximidade e atenção com o estudante é o contrário do que pode oferecer o ensino a distância. Isso não significa que não existam vantagens, o custo e a ampla disponibilidade entre elas, mas perguntemo-nos: a que preço humano, social e institucional? O tempo, e os arroubos do capital e das empresas-escola, hão de nos comunicar, pois que notícias ruins (entre estas, a manipuladora propaganda comercial) vêm sempre em tempo real.

Referências

FILATRO, A. As teorias pedagógicas fundamentais em EAD. In: LITTO, F. M.; FORMIGA, M. (Org.). Educação a distância: o estado da arte. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2011. p. 96-104.

QUINTANA, H. G. Design educacional focado na aprendizagem. Salvador: EdUFBA, 2014. Livro em formato digital (.pdf). 24.p.


* Ironicamente, esse texto foi elaborado para responder a uma atividade solicitada num curso EaD do qual estou participando.


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