Um economista da universidade de Harvad, chamado Sendhil Mullainathan, publicou no jornal New York Times anos atrás um artigo de opinião chamando a atenção para um problema interessante: os possíveis impactos da privação de sono sobre o PIB norte-americano.¹ O autor argumenta que pessoas, quando expostas a privação de sono, trabalham de maneira letárgica, encontram-se mal-humorados e tomam decisões ruins. Além dos óbvios problemas de saúde associados, haveria nisto um impacto na produtividade do trabalho, e consequentemente também na soma da riqueza produzida pelo país.
O interessante é que Mullainathan culpa de um lado os avanços tecnológicos como a internet, tablets e smartphones, como também do outro, talvez principalmente, os próprios trabalhadores. Sugere que os indivíduos superestimam suas capacidades de superar os problemas relacionados a privação de sono, ou mesmo confiam demais em sua habilidade em rolar bem as dívidas com a cama. Isto, segundo sua opinião, porque pessoas não são racionais e gastam tempo de forma inútil surfando na internet, assistindo séries de TV ou brincando com aplicativos de smartphones. As pessoas, ao gastarem suas madrugadas com tais atividades fúteis, colocariam em risco a produtividade de seu trabalho; logo, deveriam abandonar estas práticas para serem mais produtivas.
Este “professor” — de Harvard, lembrem desta informação quando forem avaliar a qualidade das universidades no exterior —, escolhe ignorar que, em primeiro lugar, é a cada vez mais extenuante carga de trabalho que exaure trabalhadores lá, mas também aqui no Brasil. Não são raros os casos de pessoas obrigadas a trabalhar contra a lei por 60, 70 até 100 horas numa semana. Muitas empresas esperam que seus funcionários registrem o ponto no máximo permitido por lei, no caso do Brasil 44 horas semanais, mas continuem trabalhando depois de fazê-lo, sob pena de serem demitidos — isto sem gerar horas extra, consequentemente, é trabalho não pago. Se avolumam na Europa, nos EUA, casos de pessoas que morrem por trabalhar durante muitas horas seguidas,porque são oprimidas com metas irrealizáveis e jornadas alarmantes.
É muito comum que trabalhadores, quando finalmente saem de seus escritórios tarde da noite, levem consigo trabalho para ser realizado em casa e utilizado no dia seguinte. Os mesmos smartphones, tablets e notebooks que este “acadêmico” cita como vilões contra a produtividade na empresa, são na verdade extensões virtuais de seus trabalhos, que prendem pessoas em rotinas intermináveis de decisões, reuniões e outras atividades fora do horário normal.
Também é preciso citar que, além de extensas, as horas de trabalho tem se tornado cada vez mais intensas. Sob o eufemismo do empowerment e encorajadas pela reengenharia, empresas norte-americanas e também brasileiras, demitiram em massa trabalhadores em processos dedownsizing, concentrando um volume cada vez maior de atividades nas mãos de uma única pessoa. Onde trabalhavam 100, passaram a trabalhar 10 com a mesma, muitas vezes até maior, carga de serviço.
Não bastasse a maior carga de trabalho em uma também maior jornada, ainda houve um considerável golpe nas horas restantes. Por oferecerem “maiores responsabilidades”, as empresas passaram a exigir que os profissionais estivessem em constante formação e aprimoramento de suas habilidades, para o que estes precisam atender em intermináveis cursos e treinamentos, pós-graduações, cursos de idiomas e etc., de modo que cada hora disponível de seus dias precisa ser empregada para o trabalho.
Sob o véu do termo motivacional que sugere ao trabalhador “vestir a camisa da empresa” está a exigência de que pessoas devem entregar cada célula de seu ser, cada minuto de seus dias, para a empresa, de modo que esta possa aferir ganhos cada vez mais altos, enquanto pagam cada vez menos. “Veste a camisa” quem abdica de uma vida pessoal, entrega os filhos para serem educados pela babá ou pela TV, não vai a cinemas nem lê nada além do que é demandado do trabalho.
Então, vem um economista de Harvard com a petulância de tentar afirmar que as trabalhadores estão em situação de privação de sono porque são irresponsáveis?
Me pergunto em que mundo vive uma pessoa com a coragem de emitir uma opinião beirando tamanho ridículo. É preciso estar completamente alheio da realidade para afirmar seriamente o que este senhor afirma, ou, e esta é a minha opinião, é preciso ser completa e inexoravelmente vendido ao capital. No texto em questão está um puxa-saco de empresas, um economista sem opinião a não ser aquela conveniente a um capacho de poderosos, vendendo a ideia de que os trabalhadores não podem ter NENHUM momento para si, apenas para o Capital.
Luiz Gonzaga Belluzzo recentemente definiu a economia como a “ciência triste”. O mestre me permitirá discordar, pois no caso deste rapaz de Harvard, a economia é a ciência burra, obtusa, vendida e ridícula.
¹ Leia artigo original aqui: http://www.nytimes.com/2014/02/02/business/get-some-sleep-and-wake-up-the-gdp.html
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