Facebook, JN, Revista Veja e uma Banda pretensamente mais Bonita*

A música de um tempo é a expressão da vida concreta,  as vezes (a maior parte delas) muito melhor que a interpretação dos sábios. Por isso mesmo a música é contraditória, dividida entre música do gueto e da elite; estas mesmas fracionadas em nuances e tons de cinza, nem tanto em preto e branco como diria Wilde. O espírito de um tempo <zeitgest> tem voz artística, eu lírico e frequenta a casa noturna da moda; é claro que, por ser espírito, não precisa obedecer as leis de Newton e pode estar em dois (ou mais) lugares ao mesmo tempo enquanto se permite ocupar o mesmo espaço do de outras coisas.

Uma amiga me apresentou uma banda — a mais bonita d’algum lugar fora da realidade — na minha opinião particularmente elitista; e, não por acaso, suas poesias versavam sobre os problemas existenciais do círculo donde aflorara: amor, chocolate e pessoas boas; bailarinas e garotos de aluguel que podem dizer o que vendem e o que não vendem.

Expressão da geração facebook, que se acostumou com um Jornal Nacional de entretenimento e em ter suas opiniões forjadas nos porões da gráfica da Editora Abril/FSP, com um mundo que, através de suas lentes, enxerga os “profundos” problemas dos sentimentos, dos relacionamentos e da escolha da melhor praia para ir no final de semana.

Estou sendo mau, é um bom trabalho o desta Banda Mais Bonita da Cidade. Suas canções, na minha opinião, representam uma (certa) renovação da música brasileira, a qual vinha definhando nas vozes de infantes superficiais e remakes datados para garantir seu público. Mas o que me chama mais a atenção é que, para compreendê-los, é preciso viver o mundo construído em seus vídeos, o mundo despreocupado de quem pode abrir mão do trabalho na segunda-feira a tarde para juntar seus amigos e fazer nada.

Não duvido que esta NÃO seja a realidade dos integrantes do grupo. Pelo contrário, sei como pode ser dura e difícil a vida de músicos profissionais no Brasil. Mas, sua linguagem dialoga com aquela situação social, com aquele público – aliás, uma excelente jogada mercadológica, pois se parte do pressuposto de que na classe média alta brasileira se encontram formadores de opinião, ou, nas palavras do marketing, os formadores de demanda.

Surfando na noção geral de otimismo que parece tomar conta do país, suas canções são simples e fazem eco à uma existência deprovida de fome, pobreza, trabalho árduo, violência ou medo. Ou seja, como se estivessem num conto de fadas – no mesmo conto de fadas do qual poucas vezes a elite brasileira acorda, no qual só pode existir uma parcela ínfima dos cidadãos neste país. A beleza e suavidade das letras e dos arranjos, quase como brincadeiras, é reflexo deste mundo infantilizado, no qual a inocência ainda não foi maculada pela natureza humana, no qual Thanatus não aflorou em sua cruel face de morte e degeneração.

A realidade da banda é esta que existe entre o Facebook, o JN e a Revista Veja, esse lugar-nenhum construído apenas pela possibilidade de isolar condomínios de luxo com muros altos e densas cercas vivas, os quais impendem que os “de fora” sequer vejam o que é a verdadeira civilização.

O problema é que as cercas que previnem a cobiça dos outsiders também distorce a visão dos de dentro.

Enfim, boa banda. Péssimo mundo.


* Esse texto é uma repostagem. Nos idos de 2008, já estudante de graduação no Bacharelado em Ciências Econômicas da UFBA, logo depois de concluir o Bacharelado em Administração na mesma Universidade, eu escrevia um blog com esse título, Administração Crítica. Foram muitos textos elaborados com aquele ímpeto do estudante de graduação, de recém formado, com colocações pouco cuidadosas e até cheias de uma inocência teórica que, com o passar dos anos, foi se diluindo (para o bem e para o mal).

Em 2010 encerrei o blog. Mas, guardo um carinho especial por alguns daqueles escritos, que estão como documentos de minha história pessoal. Em minha opinião, revelam um cuidado teórico pouco refinado (acho que nem tenho ainda), mas já uma vontade enorme de fazer ciência crítica em administração. Por isso faço essa repostagem, como um exemplo de que é possível pensar criticamente na graduação, de que podemos querer mais do que reproduzir os saberes mainstream.

Quis muito revisar e melhorar o texto. Deixei como estava, com seus erros, imprecisões e frases de efeito desnecessárias. Acho que, como um relato de vida, bem como para fazer justiça a alguém que eu talvez já não seja mais, posso dizer que o escrito, quando publicado — mesmo neste tipo de veículo tão efêmero —, deixa de pertencer a nós.


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