Hoje fazem sete anos da fatídica votação que marcou o rito do golpe de 2016, culminando com o impedimento da Presidenta Dilma Rousseff em agosto daquele mesmo ano. Daquela data em diante o povo brasileiro vivei um longo período de completo atraso coletivo e descenso civilizatório. Oxalá tenha acabado! À ver… Mas, no âmbito da discussão sobre a possibilidade (nefasta) da volta dos golpistas, convém analisar alguns dos porquês que levaram à derrubada da primeira presidenta mulher do Brasil. Em minha opinião, existem três fatores macrogerenciais que, se não explicam aquele golpe, ilustram aspectos práticos de sua ocorrência.
O primeiro diz respeito à tentativa da equipe econômica da Presidenta Dilma em aliviar o problema fiscal por meio de uma gestão de mudança do serviço da dívida estatal.
A maior parte do orçamento do Estado é empregado para pagar juros da dívida interna; na medida em que o Brasil mantém a meta do Selic em patamares elevados (vem se revezando entre as mais altas do mundo há décadas), a dívida cresce desproporcionalmente em comparação com outros países. Diante disso, argutamente o então Ministro da Fazenda procurou articular, junto ao Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil (Bacen), uma redução de juros que, ao mesmo tempo, liberaria recursos para investimento privado e reduziria o peso da dívida sobre o Governo. A lógica era diminuir a pressão do serviço da dívida sobre o orçamento, enquanto aumentava os recursos disponíveis para tomada de empréstimos por particulares.
Essa medida discricionária foi duramente combatida pelas elites financeiras nacionais. Acostumadas a enriquecer sem trabalhar, arriscar ou sequer pensar, já que grande parte do lucro de bancos, fundos de investimento e mesmo grandes empresas no Brasil, vem de empréstimos para o Estado a juros altíssimos, os rentistas se inflamaram. Ao invés de comemorar a maior disponibilidade de moeda no mercado, que incentiva consumo e investimento, a obrigação do capital em aprimorar o lado da oferta de bens e serviços fez a classe capitalista se endurecer, pois desde sempre preferiu a facilidade de ganhar sem esforço. Esses interesses, claro, se voltaram contra a Presidenta, alimentando financeiramente protestos e fazendo lobbying junto aos políticos que os representam.
O segundo processo a ser evocado diz respeito à soberania e partilha da riqueza advinda da exploração de reservas de petróleo da camada de pré-sal na costa brasileira.
Ainda no governo Lula, as já conhecidas jazidas de petróleo na camada de pré-sal foram dimensionadas, bem como se tornaram economicamente viáveis. Trata-se de uma riqueza natural de extremo valor num mundo ainda muito dependente dos derivados do óleo, uma das maiores descobertas da história. Pois bem, os governos PT ousaram manter o controle da exploração sob comando da estatal Petrobrás, reservar parcela dos lucros para investimento em educação e, assim, socializar a riqueza que, de fato, é coletiva. Porém, todo esse potencial produtivo atraiu a cobiça de grandes conglomerados do petróleo, muitos estadunidenses — os mesmos que incitaram George W. Bush a entrar em guerra contra o Iraque sob justificativas falsas, apenas para controlar diretamente a produção de petróleo e gás do país —, entre eles as indústrias Koch.
Em uma ação combinada entre o departamento de Estado dos EUA e a Rede Atlas — think tank “liberal” norte-americano financiado pelas industrias Koch —, se articulou uma estratégia de lawfare para assumir o controle da reserva de pré-sal, nos moldes de que se chama hodiernamente como guerra híbrida. Um grupo de juristas brasileiros treinado para operações anticorrupção nos EUA foi escalado desde fora para investigar a Petrobrás, no que se tornou a operação Lava-Jato. Os resultados são conhecidos. Por outro lado, a Rede Atlas financiou inúmeros grupos de extrema direita no Brasil, visando destituir o PT do poder e, se possível, destruir a legenda para dar lugar a políticos alinhados com os interesses norte-americanos. Tudo isso criou o ambiente político e institucional de instabilidade que resultou no golpe, permitindo que empresas estrangeiras se apropriassem do petróleo, assim como se contrangesse a importância da Petrobras.
Colocados em perspectiva, as jornadas de maio-junho de 2013, foram um evento-estopim. Sua importância material foi limitada, embora chocante e emblemática, assim serviu como reforço simbólico, além de fornecer o momentum. É o terceiro fator de destaque aqui.
Um detalhe marcante foi o início daqueles protestos. O movimento passe livre, um legítimo coletivo progressista que defende a pauta do transporte público gratuito e universal, organizou protestos contra o aumento de tarifas de ônibus coletivo na cidade de São Paulo. Sob o mote “não são apenas R$ 0,20” pretendiam discutir a problemática da mobilidade urbana como um todo. Porém, os protestos ganharam adesão de direitistas que, percebendo a oportunidade, se apropriaram (indebitamente) das manifestações para pregar uma pauta mais difusa e retrógrada. De uma ação progressista, logo haviam pedidos de volta da ditadura e gritos “contra tudo que está aí” (o quê, convenientemente, incluía a esquerda, o PT e a própria pauta progressista, diga-se de passagem).
Ali, a extrema-direita brasileira conseguiu aglutinar a seu redor uma massa de toscos, racistas, fundamentalistas cristãos, pastores, milícias, pensionistas do exército, essa escória alimentada pelo rio de ódio e violência que nunca deixou de correr no submundo do país. Em busca de controlar as fontes nacionais de riqueza — a reserva de valor do fundo público de capital, sob controle do Estado, mais o estoque de recursos naturais (petróleo, madeira, minério, terra etc.) —, empresários nacionais e estrangeiros alimentaram uma narrativa falaciosa contra a Presidenta Dilma Rousseff e o PT. Acusando-os das práticas que eles mesmos realizam sem pudor — nepotismo, apropriação indébita do bem público, desinformação, conspiração para uma ditadura e violência —, empresários consolidaram apoio popular para um projeto de destruição desse mesmo povo.
O golpe de 2016, que insistem em chamar de impeachment, foi o ato político de uma trama maior, cujas consequências são sentidas até hoje. O fascismo alimentado pelo empresariado quase assumiu o controle sobre seus criadores, forçando-os a desembarcar (a pequena burguesia e alguns poucos grandes capitalistas que ainda apoiam o bolsonarismo é um grupo cada vez menor, embora ruidoso e perigoso). É irônico que, para se salvar, tenham se voltado para o mesmo PT que antes tentaram defenestrar. A julgar pelo desastre econômico, político, social que foi o governo Bolsonaro, pode-se dizer que no campo da direita, não havia um projeto de gestão coerente, consolidado, capaz de fazer frente ao PT; tudo que aconteceu de 2016 até 2022 foi mera destruição. Sistemática, objetiva, propositada e consciente, mas somente destruição.
No entanto, devemos lembrar que a auto-proclamada “elite” empresarial brasileira é uma classe golpista. A história recente e antiga demonstra que nossos endinheirados estão acostumados a empregar quaisquer meios, lícitos ou ilícitos, para manter suas presas fincadas no Estado. O golpismo fascista está a espreita, como nos lembraram os atos terroristas de 8 de janeiro de 2023 em Brasília. Os fatores destacados neste texto são contextuais, a estrutura, porém, é a mesma: ingerência internacional (dependência), empresariado golpista (patrimonialismo e neopatrimonalismo) e uma grande parcela da população com inclinações claramente conservadoras e retrógradas (protofascismo), tudo isso heranças do escravagismo colonial que ainda nos assombram.
A mensagem que deixo então é um convite em clamor: Lutemos!

Descubra mais sobre Administração Crítica
Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.