A questão da riqueza foi discutida por muitos, mas não tão brilhante e exaustivamente como por Karl Marx em O Capital; após mais de 150 anos sua solução permanece em grande parte incontornavel. Por conta da centralidade que a riqueza representa no pensamento marxiano, este foi injustamente acusado de defender um tipo de economicismo, que reduziria a sociedade ao aspecto material. Essa percepção é equivocada, em minha opinião.
Marx não acreditava que a economia determinasse a realidade. O movimento do capital é descrito pelo autor alemão como uma aparência da dominação e da exploração, não o contrário. Homens colocam o capital para funcionar, pois através do capital obtém as vantagens simbólicas e materiais que almejam. É um meio, não um determinante de tudo.
Mas, Marx também alertou para o fato de que a acumulação capitalista, como um meio para se atingir algo, produz uma reviravolta e se impõe como fim em si. Por isso que Marx afirma em muitas passagens que a criatura subsume o criador. As leis da concorrência constrangem e submetem capitalistas, o mercado massacra o trabalhador, os governos se dobram às lógicas da usura e da indústria, a forma capitalista de produzir invade todas as esferas da sociabilidade para transformar seus significantes em mercadorias e sua lógica em lógica de mercado.
Se dissesse que a produção de mercadorias é o fim que tudo determina, seria enfim um economicismo. Mas não, Marx afirma que a riqueza toma a forma de mercadoria, aparece como mercadoria, no entanto não é mercadoria, e sim trabalho humano. E esse trabalho é a forma subjetiva que une pessoas em torno do esforço da sobrevivência, mas também da vida em sociedade.
Ademais, o trabalho pode ser compreendido como sacrifício de horas vitais. É um processo simbólico, cultural, relacional, emocional, ou seja, histórico e multi-dimensional, no qual as pessoas são obrigadas a enpregar seu tempo de vida para garantir sua continuidade, assim transformando o mundo a seu redor material e simbolicamente.
Em Marx, a riqueza é resultado da apropriação da vida alheia, não apenas no aspecto econômico, mas de horas de vida, da forma de pensar, de oportunidade de viver por si só, da autonomia, da opinião… o valor se forma por meio do sacrifício da potencialidade de muitas pessoas para objetivar uma relação de dominação, da qual a mercadoria é mero símbolo, por isso também toma a forma de sinais de status.
No entanto, como objetivação da dominação e da opressão, a mercadoria é um imperfeito perfeito. Perfeito, porque não expõe a crueldade do controle sobre o outro, que aparece meramente representado pelo fruto do trabalho. Agradecem os corações mais emotivos e aqueles em quem resta compaixão. Imperfeito, por que alguns desejam ver essa dominação, sentir seu cheiro e olhar nos olhos do “inferior” de modo que aquele o reconheça como superior. Para tanto, temos o serviço.
Mas, na prática, enriquecer é se alimentar da força vital daqueles que se sacrificam para produzir.
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